Em “As costureiras de Auschwitz”, a pesquisadora britânica de moda Lucy Adlington conta a história real de um ateliê de costura que funcionou no interior do campo de extermínio
No auge do Holocausto, 25 jovens prisioneiras do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau foram selecionadas para desenhar, cortar e costurar roupas de luxo para as mulheres de guardas e oficiais nazistas. O trabalho era feito em uma oficina de costura instalada dentro de um dos maiores campos de extermínio da Segunda Guerra Mundial.
O ateliê, chamado de “estúdio de alta-costura superior”, foi fundado por Hedwig Höss, a esposa do comandante de Auschwitz. A partir de uma intensa pesquisa documental e entrevistas – incluindo uma conversa com Bracha Berkovič Kohút, última costureira sobrevivente -, a pesquisadora de moda britânica Lucy Adlington resgata essa história em seu novo livro, As costureiras de Auschwitz, lançamento do selo Crítica, da Editora Planeta.
Por meio de causos e fatos históricos, a autora posiciona a moda no centro da narrativa política da Segunda Guerra Mundial, relacionando-a, de forma nada óbvia, a temas recorrentes deste momento do passado, como violência e preconceito. Antes de chegar à história do ateliê em si, Adlington tece uma detalhada trama, apresentando as principais personagens envolvidas – entre judias e prisioneiras políticas -, a indústria da moda de meados do século XX, com fotos dos modelos mais cobiçados, e os movimentos políticos e econômicos que se desenvolviam nos anos anteriores ao terror nazista.
O livro traz ainda um poderoso relato da vida em Auschwitz: as violências, humilhações e perigos aos quais os prisioneiros estavam sujeitos, bem como as redes de relacionamento e resistência que se desenvolveram no campo. O ateliê, aliás, era uma delas e, para todas as mulheres que dele participaram, foi o elemento que fez a diferença entre a vida e a morte.
“No outono de 1943, o estúdio de alta-costura superior tinha aumentado de duas para quinze mulheres. E não parou por aí. A SS selecionava pessoas para morrer; enquanto isso, ao escolher suas ajudantes, Marta lhes proporcionava uma chance na vida. Inevitavelmente, suas primeiras escolhas foram mulheres que ela já conhecia. Era assim que o privilégio funcionava nos campos. Redes de conexão, ou ‘proteção’, se mostravam cruciais.”
A cada página, o leitor conhece – e passar a torcer – pelas as vidas de Bracha, Irene, Katka, Marta e tantas outras mulheres que costuraram para sobreviver, na esperança de serem poupadas das câmaras de gás, lugar onde tantos de seus amigos e familiares foram assassinados. “Este livro é a história dessas mulheres. Não se trata de uma narrativa romanceada. As cenas íntimas e os diálogos descritos baseiam-se inteiramente em testemunhos, documentos, provas materiais e memórias relatadas a membros da família ou diretamente a mim, com o respaldo da leitura de uma extensa bibliografia e de investigação arquivística”, escreve Adlington.
TRECHOS DO LIVRO
“Goebbels reconhecia o poder da indústria da moda para moldar a imagem, o que ele sabia ser crucial para controlar comportamentos.”
“Não fosse pela guerra, pela opressão nazista, pelo desejo de Hedwig Höss de uma silhueta mais esguia, Herta e Alida nunca teriam se conhecido. Trens vindos de partes muito diferentes do Terceiro Reich reuniram essas duas mulheres, assim como Bracha, Irene, Marta, Renée, Hunya e milhões de outros prisioneiros desnorteados, enredados em um novo e pervertido tipo de civilização: os horrores estruturados de um campo de concentração.”
“Quando foi escolhida como kapo do ‘estúdio de alta-costura superior’, Marta Fuchs seria uma das pessoas a usar seu status como prisioneira privilegiada do campo de concentração para garantir relativa segurança e dignidade às mulheres de seu grupo de trabalho.”
“A resiliência levava à rebeldia. As costureiras não eram mais vítimas acovardadas e anônimas. Elas se sentiam seres humanos.”
SERVIÇO:
Livro: As costureiras de Auschwitz
Autora: Lucy Adlington
Tradução: Renato Marques
Páginas: 384 pp.