Criação contou com a parceria da empresa catarinense Tnah e já está disponível no mercado
Quem é confeccionista sabe dos inúmeros desafios enfrentados no dia a dia do setor, e quem é PcD também tem um universo de obstáculos a vencer. E o que uma coisa tem a ver com a outra? A solução de um problema em comum: de um lado, as confecções que há décadas vivem às voltas com a falta de mão de obra na área da costura, principalmente, e de outro, PcDs ávidos por uma integração e autonomia no ambiente de trabalho.
No caso das máquinas de costura, a adaptação de alavancas acionadas pelo cotovelo está no mercado há bastante tempo, mas nem sempre se torna adequada ou confortável a quem está usando.
Pryscilla Santos Lourenço Reis, mineira, 25 anos, cadeirante, diz que sempre conviveu com pessoas que gostavam de costurar, como sua avó materna, sua mãe, tias, e isso a inspirou a cursar design de moda em 2019. O entrave se deu justamente na questão das máquinas de costura, o que levou a mãe dela a cursar a faculdade também. “Quando chegamos ao período das costuras, tive muito apoio das professoras, da coordenadora e da minha mãe, que tocava os pedais para que eu pudesse costurar”, relata.
Mas o desejo de continuar era maior, e Pryscilla acabou ganhando uma máquina de costura adaptada com a alavanca de cotovelo. “Profissionalmente foi um ganho, e emocionalmente, puxa vida, uma conquista que me fez muito bem!”, desabafa.
Ao longo do curso, houve uma palestra na faculdade em que estudava e, ao final, o sorteio de uma máquina de costura. Adivinha quem foi a contemplada? Sim, Pryscilla, porém a máquina não possuía adaptação. Foi quando o caminho dela se cruzou com o de Thiago Zeferino, gestor comercial da Welttec, empresa que estava promovendo a palestra e o sorteio.
Vendo a situação, Thiago começou a pensar em como levar acessibilidade para que a ganhadora pudesse costurar de forma mais facilitada e confortável, para além da adaptação da alavanca. Ele conta que a ideia inicial era a realização de comandos por voz, mas os planos acabaram mudando.
“Começamos desenvolvendo uma interface via comando de voz e percebemos que mesmo em máquinas mais automáticas, como a travete, existia uma demora e a dificuldade com a interferência dos ruídos no chão de fábrica. Pensando em adaptar também para máquinas como a reta, que exigem a capacidade de regular a velocidade de maneira mais direta, foi pensado em uma luva, principalmente por poder colocar ali mais sensores, o que se mostrou o ideal para a solução”, conta Gustavo Guimarães de Souza, diretor da Tnah, empresa catarinense especializada em soluções tecnológicas, sobretudo em dispositivos IoT (Internet das Coisas) e softwares como o sistema MES (Manufacture Execution System), para automação da produção pautada na Indústria 4.0. A empresa, inclusive, atende diversos clientes dos setores têxtil e de confecção.
A HANDS ON
Thiago Zeferino, da Welttec, conta que logo que teve o start em criar uma solução pensou na Tnah como parceira nesse desenvolvimento.
A ideia da luva veio para que se pudesse ter uma resposta mais rápida no acionamento da máquina de costura, e, durante a fase de pesquisa e desenvolvimento, as empresas envolveram algumas entidades especializadas em assistir PcDs, como a Associação Blumenauense de Deficientes Físicos (Abludef), a fim de captar as dificuldades e as expectativas que elas tinham no processo de costura, bem como saber se a ideia estava tomando o caminho certo de garantir oportunidade a essas pessoas. “Não só ouvimos as considerações como também pedimos que testassem o protótipo para que o projeto fosse validado pelas PcDs, as quais de fato seriam – e serão – beneficiadas por essa tecnologia”, observa Zeferino.
“Hoje, o Brasil conta com mais de 17 milhões de PcDs, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com essa novidade, unimos responsabilidade, inclusão e inovação para solucionar uma demanda do setor produtivo, gerando ainda mais oportunidades no mercado de trabalho”, comenta Eduardo Elias Martins, CEO do Grupo ENM, formado pelas empresas Welttec, Link Comercial, Zee Rucci, e ENM Comércio.
O processo todo levou cerca de um ano entre estudos e testes, para que estivesse apto ao mercado, e a luva foi batizada de Hands On, e a patente conjunta (Welttec e Tnah) foi pedida logo no início do projeto.
“Contratamos um escritório de patentes que, conosco, fez a pesquisa do que já existia no Brasil e no exterior nesse sentido, até porque precisávamos saber se era algo realmente inédito antes de protocolar o pedido de patente industrial. No final, foi recompensador ver a aplicação na prática e realmente beneficiando quem era o alvo da solução”, celebra o diretor da Tnah.
COMO FUNCIONA
Confeccionada em tecido de poliamida utilizado na confecção de bermudas fitness, a Hands On foi pensada em todos os detalhes, como as áreas de costura, para que não houvesse atrito e pressão nas mãos dos usuários enquanto estivessem costurando. Por enquanto em tamanho único, a luva é lavável e serve tanto para destros quanto para canhotos.
A tecnologia embarcada na Hands On consiste em uma placa eletrônica, bateria e sensores que, pelo toque dos dedos, aciona os comandos da máquina de costura e sua velocidade em lugar do pedal, tudo de forma muito prática e intuitiva.
Na máquina de costura é instalado um kit plug and play com uma placa controladora, que se comunica com a luva por bluetooth para o acionamento dos comandos. Segundo os fabricantes, a luva possui uma boa autonomia de duração de bateria, que é recarregável.
“A configuração e a conexão são feitas de forma fácil e rápida, em cerca de cinco minutos. A comunicação sem fio facilita a operação, e pelo comando da mão, não ocorre delay nos comandos que são repassados à máquina. Nesse formato e com essa tecnologia, a Hands On se torna uma luva inédita no Brasil”, comenta o diretor da Tnah.
Para o momento, o kit de instalação está disponível apenas para o modelo A4F, reta eletrônica da marca Jack Sewing Machine Co., distribuída com exclusividade no Brasil pela Welttec, e a travete eletrônica 1900GSK, também da Jack.
“Como a controladora é desenvolvida com base na placa de comando da máquina, ela segue a lógica dos sinais-padrão desses dois modelos”, explica o gestor comercial da Welttec.
A apresentação oficial da Hands On ao mercado foi feita na Semana de Lançamentos Denim City São Paulo, realizada entre os dias 25 e 27 de outubro, e contou com a presença de Pryscilla, que inspirou toda a movimentação, e a luva esteve disponível a quem quisesse testar na DCSP.
“É muito bom quando a gente, ao longo da vida, cruza com pessoas que “sonham o nosso sonho”. Tem uma frase que diz que sozinhos vamos mais rápido, mas acompanhados vamos mais longe. Sem dúvida, a luva é um avanço e uma benção não só para pessoas como eu, mas para muitos outros. Tenho a certeza de que a integração dessa tecnologia entre máquina e luva bluetooth é apenas o início de uma nova era no universo da costura”, celebra Pryscilla.
De acordo com Thiago, os feedbacks positivos em relação à iniciativa de criação da Hands On têm sido uma grata surpresa, especialmente de indústrias solicitando mais informações com a intenção de ampliar suas ofertas de trabalho a PcDs.
“A Hands On chega ao mercado para abrir oportunidades de trabalho a PcDs, permitindo que elas desenvolvam ainda mais suas habilidades. A indústria de confecção também ganha uma grande oportunidade de empregabilidade com a Hands On, haja vista que a mão de obra está cada vez mais escassa. Ampliando as possibilidades de criar postos de trabalho incluindo PcDs, é realmente um tipo de relação ‘ganha-ganha’, beneficiando tanto a indústria quanto as pessoas”, comenta.
Ainda de acordo com Thiago, “Welttec e Tnah são duas empresas em tecnologia e, com certeza, o projeto da Hands On prova que toda tecnologia pode e deve ser inclusiva. Por isso, não pararemos de pensar em soluções que atendam a essas premissas.”