Mundo pede novos drivers econômicos pautados em sustentabilidade e o Brasil pode ser um dos grandes players
Já ouviu falar em bioeconomia? Se ainda não, a partir de agora ouvirá muito esse termo que, na realidade, não é novo. E o que ele significa? Bioeconomia é um modelo de produção industrial em que os recursos biológicos são priorizados, substituindo fontes de origem fóssil ou não renováveis por outras de origem sustentável, com ganhos ambientais e de desenvolvimento socioeconômico. O Brasil, que deu seus primeiros passos na bioeconomia na década de 1970, com o incentivo à produção de álcool para combustível, e com a maior biodiversidade do mundo, possui todos os elementos em mãos para se tornar um dos principais players globais neste sentido, basta que nossa indústria entenda a importância e os ganhos para além dos financeiros que esse modelo econômico traz.
“O mundo vive uma revolução baseada no conhecimento e sabemos que o caminho visando à sustentabilidade se pauta em uma economia de baixo carbono. Nesse cenário, a bioeconomia desponta como uma nova forma de fazer a gestão do planeta pela ciência, pela tecnologia e pela inovação, tornando possível a substituição dos combustíveis fósseis e o desenvolvimento de uma nova indústria. Acreditamos que a bioeconomia é uma oportunidade ímpar para a geração de renda e riqueza pelo desenvolvimento de produtos derivados de recursos biológicos com o uso de tecnologias inovadoras”, afirma Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade na Confederação Nacional da Indústria (CNI), entidade que vem fortalecendo este discurso e esta prática. Mas para isso é necessário desenvolver uma agenda conjunta envolvendo o setor público (destravando regulamentações), privado, acadêmico-científico e as comunidades tradicionais, conhecedoras empíricas das propriedades e possibilidades do nosso bioma.
“A bioeconomia é uma realidade no Brasil, que já conta com várias indústrias nesta área. No entanto, para aproveitar melhor esse potencial, a rede de inovação existente no país precisa ser expandida, integrando os diferentes atores para a geração de novas tecnologias e produtos de maior valor agregado com recursos biológicos. Esta é uma grande oportunidade para o Brasil, detentor de aproximadamente 20% da biodiversidade global”, destaca Bomtempo.
A INTEGRAÇÃO COM A INDÚSTRIA TÊXTIL
Uma das frentes trabalhadas na bioeconomia é a integração com a indústria têxtil. Na verdade, elas estão conectadas desde sempre, com insumos de fonte animal (seda, lã, couro) ou vegetal (algodão, linho, rami, juta, entre outros).
Nesse sentido, o Senai Cetiqt – ISI em Biossintéticos e Fibras, já desenvolve há muito tempo estudos e pesquisas aplicados ao setor com o desenvolvimento de compósitos poliméricos a partir de fibras naturais e novas fibras a partir de resíduos da agricultura, como caule de bananeira, pupunha, entre outros; desenvolvimento de novos fios a da tosa de cães; novos corantes a partir de fungos; e a valorização de resíduos da indústria florestal como fornecedora de insumos para as indústrias têxtil e química. Esses são apenas alguns exemplos dos trabalhos feitos na entidade, que é parceira no desenvolvimento industrial e referência nacional quando se fala em pesquisa aplicada para a análise de novos produtos e processos bioquímicos ligados ao setor têxtil.
“Há muitas pesquisas avançadas neste caminho. No entanto, dado o tamanho e potencial desse mercado, ainda falta muito investimento para o aproveitamento de todo o escopo de oportunidades, que precisam ser escaladas de forma sustentável”, afirma Victoria Emilia Neves Santos, coordenadora de Inteligência Competitiva e Propriedade Intelectual do Senai Cetiqt – ISI em Biossintéticos e Fibras.
Davi Bomtempo, da CNI, levanta uma pesquisa feita em 2019 pela consultoria irlandesa Research and Markets que apontou um movimento global de US$ 121,42 bilhões em fibras ecológicas no ano de 2017, e projeta atingir US$ 398 bilhões em 2026. De acordo com o gerente-executivo, alguns dos principais fatores que impulsionaram esse crescimento de mercado foram a conscientização sobre a importância da sustentabilidade e da conservação ambiental, a crescente demanda das economias emergentes e o aumento de renda dos indivíduos.
Ele também ressalta a importância do investimento em pesquisas e desenvolvimentos no escopo da bioeconomia para o setor têxtil e confeccionista, especialmente em novos materiais a partir de resíduos da agroindústria, como o couro produzido de leveduras, bactérias ou micélios, bem como novas fibras feitas a partir da teia de aranha ou de algas marinhas, e o papel das startups que vêm apostando no segmento de moda com esses estudos e criações.
“Pela bioeconomia, os setores têxtil e de confecção podem desenvolver materiais e produtos diferenciados, fazendo com que se posicione como líder em produção e consumo sustentáveis no mercado global. Em termos das fibras de origem renovável, há as ecofibras, que requerem pouco ou nenhum pesticida ou produtos químicos para crescer. Elas são naturalmente resistentes ao mofo e bolor e são obtidas a partir de pele de animal (fibra de proteína) e plantas (celulose). Há também as fibras artificiais, que são manufaturadas utilizando como matéria-prima polímeros naturais de origem celulósica ou proteica; esses polímeros são regenerados, o que aumenta seu valor agregado a partir da produção de novas fibras. No âmbito dos pigmentos e corantes, o uso dos corantes naturais tem sido estimulado em virtude de sua biodegradabilidade e baixa toxidade, além de poder ser empregado no tingimento tanto de fibras naturais como sintéticas, minimizando os impactos causados pelos corantes sintéticos”, exemplifica.
TUDO O QUE PARA EM PÉ É ECONOMICAMENTE VIÁVEL
Ter um bioma preservado seguramente é muito mais vantajoso para todos, local e globalmente falando, do que uma terra desmatada, improdutiva e que desequilibre o ecossistema, afetando diretamente nossa vida.
Por isso, a adoção do modelo bioeconômico só traz benefícios, pois tem um impacto direto na mitigação de mudanças climáticas se adotadas práticas de produção e manejo sustentáveis, além de ser, na opinião de Davi Bomtempo, uma excelente oportunidade para o Brasil em alcançar um ritmo consistente de crescimento.
Victoria, do ISI em Biossintéticos e Fibras, lembra que, na dimensão social, o impacto da bioeconomia dependerá do modelo de negócio, remuneração ao longo da cadeia produtiva e, ainda, a compensação e a conservação de comunidades e saberes tradicionais.
“Quanto aos benefícios aos setores têxtil e de confecção, além de uma melhor imagem atrelada à responsabilidade socioambiental, a diferenciação no mercado com biomateriais, bioprodutos e bioprocessos provê vantagem comparativa em termos de agregação de valor, menor custo com disposição de resíduos e novas aplicações”, avalia.
EXEMPLOS DE BIOECONOMIA ATRELADA À MODA
Osklen: há mais de uma década a marca carioca reaproveita o couro do pirarucu, peixe amazônico que chega a pesar mais de 100 kg e, anteriormente, era usado só para consumo da carne, tendo a pele descartada. Agora, por meio da capacitação de comunidades locais, a pele é preparada para se transformar em roupas, tênis e bolsas, fomentando a geração de renda e a valorização da biodiversidade, sem agredir o meio ambiente.
DuMeio: empresa sul-mato-grossense que desenvolveu o DuBac, um biotecido de celulose bacteriana com características muito próximas ao couro, porém, produzido de forma natural e com baixíssimo impacto ambiental, já que não possui químicos, é biodegradável e maleável, tornando-se uma alternativa ao uso de laminados sintéticos e até ao couro natural.
O Casulo Feliz: empresa paranaense que, com a constatação de que o fio de seda deveria ser produzido de forma manual para aproveitar os casulos impróprios – normalmente descartados pelas indústrias convencionais –, desenvolveu o processo de fiação, o tingimento, a tecelagem manual e o acabamento dos produtos OCF 100% seda, reciclando os subprodutos dessa mesma matéria-prima, que é de suma importância para as áreas da moda e decoração, produzindo fios e tecidos 100% brasileiros e ecologicamente corretos.
Flavia Aranha: a designer paulista, que possui marca homônima, é a criadora das “roupas vivas”, como ela mesma batizou, já que só usa materiais e processos, como o tingimento, só de origem natural. Flávia é incansável pesquisadora de novas possibilidades dentro do bioma brasileiro como o uso de romã, erva-mate, cúrcuma, catuaba e crajiru, uma planta nativa da Amazônia, para dar cor aos seus desenvolvimentos. É também grande incentivadora da agroecologia e da agricultura familiar.
Biotecam: entre diversos projetos, elaborou o Texticel, um biotecido feito pela fermentação do kombucha, que tem resistência e aparência de couro. A startup de biotecnologia faz parte da Incubadora de Empresas do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).
AÇÕES DA CNI EM BIOECONOMIA
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem promovendo ações contínuas para o fortalecimento da bioeconomia na indústria brasileira, abrangendo temas como biodiversidade e florestas, inovações em biotecnologia, bioinsumos, biocombustíveis, entre outros.
Em 2020, para apresentar a bioeconomia como oportunidade de negócios, indicando um conjunto de recomendações para impulsionar a agenda no Brasil, a CNI publicou os estudos Bioeconomia e a Indústria Brasileira e Análise dos Impactos Regulatórios da Ratificação do Protocolo de Nagoia para a Indústria Nacional. No mesmo ano, lançou a agenda de bioeconomia, no Fórum de Bioeconomia e a Indústria Brasileira, considerando investimentos, ambiente regulatório, infraestrutura, tecnologia e bioprodutos, estratégia e modelos de negócio e a campanha de mobilização para a ratificação do Protocolo de Nagoia pelo Brasil, por ser um tratado complementar à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que tem como objetivo a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos do uso da biodiversidade.
Em 2021, realizou uma campanha de comunicação e mobilização sobre a importância da CDB para o desenvolvimento da bioeconomia e do crescimento sustentável. Em março, o Brasil ratificou o Protocolo, fazendo com que o país participe das reuniões de negociação do acordo, o que é essencial, considerando que já possui uma legislação que dispõe sobre a repartição de benefícios advindos do acesso à biodiversidade brasileira. Em dezembro, lançou o documento Marco Global para a Biodiversidade pós-2020: Contribuições da Indústria Brasileira.
De acordo com Davi Bomtempo, o documento final do Marco Global será negociado durante a 15ª Conferência das Partes de Biodiversidade, prevista para ocorrer no segundo semestre de 2022, e a indústria brasileira tem atuado junto ao governo brasileiro para termos metas ambiciosas e factíveis para a conservação da biodiversidade, e outros documentos da CNI relacionados à bioeconomia estão em fase de elaboração.
“Paralelamente, a CNI coordena a Rede de Biodiversidade da Indústria, composta de representantes do setor industrial, onde debatemos os posicionamentos relacionados ao tema. Também atuamos com os poderes Executivo e Legislativo para o desenvolvimento da bioeconomia brasileira, principalmente no intuito de criar um ambiente regulatório favorável aos investimentos”, conta o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI.
LINKS PARA DOWNLOADS:
Bioeconomia e a Indústria Brasileira
Marco Global para a Biodiversidade Pós-2020
Fórum Bioeconomia e a Indústria Brasileira
CDB Para o Desenvolvimento da Bioeconomia e do Crescimento Sustentável