Você está aqui
Home > Destaque > CALCINHAS ABSORVENTES: MUITO ALÉM DA MENSTRUAÇÃO

CALCINHAS ABSORVENTES: MUITO ALÉM DA MENSTRUAÇÃO

Segmento cresceu exponencialmente no mercado brasileiro, impulsionado pelo conforto, praticidade e consumo consciente

Todo corpo tem necessidades inerentes, e o das mulheres, ao longo da vida, não escapa de alguns ciclos, como o da menstruação, pós-parto, pós-cirúrgico, entre outros, que acabam gerando certo desconforto e insegurança em atividades do dia a dia, além de alergias e muito, muito lixo plástico com o uso de absorventes convencionais, que não se decompõem com facilidade.

Com essas questões, uma estudante americana de engenharia química foi desafiada por um professor de empreendedorismo a desenvolver um produto inédito no mercado: o resultado foi uma calcinha para períodos menstruais. Como ninguém ainda havia pensado nisso?

O start de Julie Sygiel aconteceu em 2008, quando passou por uma situação embaraçosa: pediu a uma amiga um vestido emprestado para usar em uma festa formal, mas não percebeu que ele estava com uma mancha, resultado de vazamento menstrual que não era seu. Só foi perceber na tal festa, onde precisou amarrar um blusão de moletom na cintura para não se constranger ainda mais.

Durante as aulas de empreendedorismo, Julie conversou bastante com colegas de classe sobre os inconvenientes dos períodos menstruais às mulheres, como desconfortos, vazamentos, mau cheiro, suor e outros fatos que a levaram a pesquisar, por cerca de dois anos, sobre como desenvolver uma calcinha que resolvesse esses problemas. O estudo envolveu a área têxtil, e Julie conseguiu criar uma tecnologia exclusiva, sem plástico, dando origem à primeira marca de calcinhas menstruais: a Dear Kate, que há uma década inspira mulheres em todo o mundo a mudar seus hábitos de consumo por meio da consciência ecológica e, é claro, por todo o conforto e a praticidade ofertados.

“Depois de vermos o sucesso das calcinhas absorventes nos Estados Unidos e fora do país, pensamos que estas também poderiam ser uma ótima opção para revolucionar o mercado brasileiro. Somos a primeira marca de calcinhas absorventes no Brasil e na América Latina”, revela Emily Ewell, fundadora da Pantys, junto à sua sócia, Maria Eduarda Camargo.

Criada em 2017, a Pantys, empresa B certificada, iniciou, primeiro, com calcinhas menstruais e, ao longo dos anos, só vem trazendo inovações e abrindo novas frentes, com linhas fitness, beachwear, para incontinência e cuecas para pessoas trans ou não binárias.

Emily conta que sua motivação para a criação da marca Pantys foi que grande parte das mulheres brasileiras não se mostrava completamente satisfeita com os produtos menstruais que haviam no mercado na época, sem contar com a quantidade de lixo sendo descartada, pois diferentemente do mercado americano, em que a maioria das mulheres usa o absorvente interno e a calcinha como um back-up para evitar problemas com vazamentos, o mercado brasileiro é muito mais propício aos absorventes convencionais (externos), ou seja, precisaria de uma calcinha muito mais absorvente.

“O grande desafio, então, era adaptar a calcinha às preferências e às necessidades da mulher brasileira, mas achamos que o resultado não poderia ter sido melhor: desenvolvemos um produto exclusivo com um mix de funcionalidade, design, higiene, sustentabilidade e com duas vezes mais absorção do que as marcas de fora”, destaca Emily.

LIBERDADE E SEGURANÇA

Praticante de triatlo, Elisa Spader precisava pensar em uma alternativa para fazer suas provas quando estava menstruada, pois não dava para correr, nadar e pedalar sem parar para trocar de absorvente. Esse ponto limitante tornou-se o motivador para criar uma calcinha menstrual que atendesse não só às suas necessidades, mas também levasse qualidade de vida e liberdade a todas as pessoas que menstruam, com uma opção fácil de usar e que atingisse meninas em sua primeira menstruação, sem todos os problemas de absorventes descartáveis, internos ou externos, promovendo uma reeducação sobre o tema.

Modelo de calcinha absorvente pós-parto da Yuper.

“Os dados nos mostram que mais de 50% das mulheres já tiveram algum problema envolvendo o período menstrual, e por esse motivo nasceu a Yuper”, conta Elisa. Formada em biotecnologia e pós-graduada em engenharia de produção, há 10 anos se tornou empreendedora e hoje vive no Canadá, onde cursa seu MBA e faz a gestão da Yuper.

A empresária diz que o mercado de calcinhas absorventes só cresce, mês a mês, e, além do despertar ecológico, pois a geração de lixo é um grande motivador para a escolha alternativa, ressalta que a grande liberdade promovida é o que mais encanta e desperta a curiosidade das consumidoras.

ESCALA COMERCIAL

Com um começo bastante nichado e de marcas autorais, as calcinhas absorventes foram caindo no gosto das brasileiras e isso despertou a atenção de grandes marcas de abrangência nacional, como a Hope.

“Queríamos estar presentes em todos os momentos da mulher, trazendo uma nova experiência para o período menstrual e ressignificando um momento que, muitas vezes, ainda é visto como tabu”, declara Liliane Defante, gerente de produto do Grupo Hope, que compreende as marcas Hope, Hope Resort (fitness e beachwear) e Bonjour Lingerie.

“Nós temos a inovação como essência dos nossos negócios e, por isso, desenvolvemos a Flow, nossa linha de calcinhas absorventes e reutilizáveis que transformam o ciclo, com muita tecnologia”, completa.

Lançada no mercado em 2020, a linha Hope Flow vem desenvolvendo uma performance considerável: cresceu mais de 45% no período de um ano, com uma produção de mais de 50 mil peças nos modelos lineares, sem contar as edições limitadas, com cores, estampas e detalhes diferenciados, como rendas. O mix de produtos da linha contempla modelagens e fluxos diversos, do moderado ao noturno, e Liliane reforça que, além do desenvolvimento, toda a produção é nacional.

“Nos orgulhamos muito de ter fábrica própria e acompanhar de perto todos as etapas do produto. No caso da Flow, produzimos em células específicas de nossa fábrica, com um acompanhamento produtivo rigoroso e um excelente nível de qualidade – padrão Hope! Para o acabamento dessas calcinhas, buscamos um maquinário que garantisse para nós um acabamento mais flat e visual impecável às peças. Queremos que as mulheres gostem e se sintam seguras e poderosas com nossos produtos.”

Assim é também com a 2Rios Lingerie, que recentemente entrou no filão de calcinhas absorventes de olho nas necessidades de suas consumidoras. Com parque fabril em Joinville (SC), a empresa, que acaba de completar 32 anos, possui uma produção anual que ultrapassa 1,5 milhão de peças, atendendo da linha teen à maternidade, e de acordo com Tamiris, a aceitação da linha absorção vem surpreendendo com um volume expressivo, tanto que será uma das investidas para este ano.  

“Com toda a estrutura produtiva que temos, optamos por lançar a linha absorção, pois é mais um momento da mulher, além de reduzir o impacto ambiental, uma preocupação da marca. Escolhemos os modelos mais comprados por nossas clientes e adaptamos para a linha absorvente, e este foi nosso propósito, fazer com que os modelos preferidos continuassem na linha de absorção. Nossa modelagem tem como diferencial atender o público plus size e o modelo fio, os quais, em nossas pesquisas de mercado, eram demandas das consumidoras”, conta Tamiris Bazzanella Kuhnen, diretora-executiva da 2Rios Lingerie.

COMO É PRODUZIDA UMA CALCINHA ABSORVENTE?

Diferentemente de uma calcinha convencional, que é feita com uma camada simples de tecido e forro, a absorvente requer mais camadas – geralmente triplas – e composições têxteis, que recheiam a parte do fluxo.

“A calcinha de absorção é uma composição de vários tecidos para absorver e bloquear o fluxo, além de passar por mais etapas produtivas que uma comum, mas que facilmente encaixamos na nossa produção”, diz Tamiris, da 2Rios.

Entre as marcas de calcinhas menstruais, o ponto de convergência fica para a utilização de tecidos com boa absorção, respirabilidade, tecnologia e, preferencialmente, com alta resistência e biodegradáveis, além de serem antialérgicas e antiodor.

“Toda a composição e engenharia na construção da peça são fundamentais para um produto funcional, e nossas peças são pensadas para garantir a segurança e o conforto no ciclo menstrual. As modelagens, os tecidos e toda a tecnologia empregada fazem com que a consumidora tenha liberdade e confiança para fazer tudo o que quiser. E, para entregar o melhor resultado, desenvolvemos um produto com tecnologias que garantam absorção, equilíbrio de temperatura – não fica abafada nem gelada –, mantendo a sensação de estar sempre fresquinha e confortável”, destaca a gerente de produto do Grupo Hope.

Tecnologia patenteada pela Pantys

CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

Desde sua concepção, as calcinhas absorventes trazem consigo, direta ou indiretamente, o elo com o consumo mais consciente e a redução no impacto ambiental, livrando o mundo de toneladas de lixo plástico, ao menos no quesito menstruação.

Durante seu período fértil, uma mulher tem, em média, 450 ciclos menstruais, o que equivale ao uso de cerca de 12 mil absorventes descartáveis. Agora, multiplique isso por milhões de pessoas que menstruam, cerca da metade da população global, e o número torna-se praticamente imensurável, assim como a poluição causada.

Essa conexão com a questão ambiental e de estar mais atento ao que se consome e seus impactos – do que é feito, onde é feito, por quem, para onde vai depois – ganhou tração no período de lockdown durante pandemia, o que fez aumentar a fatia de mercado e as marcas de calcinhas absorventes.

“O nível de conscientização das pessoas já é grande sobre impactos ambientais e, para nós, foi uma questão de atender a esse mercado, fortalecendo essa preocupação que também é da nossa marca, além de proporcionar maior conforto com modelos desejados e adaptados à necessidade de absorção do ciclo menstrual. Com os cuidados indicados, uma calcinha de absorção pode durar aproximadamente 2 anos”, destaca a diretora-executiva da 2Rios Lingerie.

Na Hope, a concepção da linha Flow foi pautada, além do conforto e estilo, na circularidade, com a utilização de microfibra biodegradável, que se decompõe em até 3 anos no aterro sanitário; forro de algodão, acabamento antimicrobiano e camadas ultra-absorventes.

“Não é apenas um cuidado com o ciclo de cada mulher, mas também um olhar atento ao meio ambiente e ao futuro. Uma calcinha Flow pode ser usada por cerca de dois anos, o equivalente a 480 absorventes comuns, o que gera uma redução de cerca de 3,3 kg de lixo”, completa Liliane Defante.

HOPE Flow, linha de calcinhas absorventes da HOPE, feita com algodão e poliamida biodegradável.

ALÉM DA MENSTRUAÇÃO

Se falar em menstruação ainda é tabu para alguns, o que dizer da incontinência urinária, os famosos “escapes de xixi”, que podem acontecer com qualquer pessoa?

No entanto, a incontinência urinária, que atinge em torno de 20 milhões de pessoas no Brasil, é duas vezes mais comum em mulheres (35% delas) com mais de 40 anos ou após a menopausa, segundo dados da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), bem como em gestantes, devido ao peso da barriga. Além de trazer desconforto, os escapes ainda afetam a vida social, profissional e sexual, e muitos casos não são diagnosticados pela vergonha em ir a um consultório médico. A opção, até pouco tempo, era o uso de fraldas geriátricas ou calcinhas absorventes descartáveis, caindo novamente no ciclo de incômodo, irritações de pele e impacto ao meio ambiente.

Pensando neste pacote completo, a Pantys lançou em outubro de 2021 a linha Dry, a única no mundo a absorver até 100 ml de urina. Este é um feito e tanto, visto que, diferentemente do fluxo menstrual, a urina é completamente líquida, exigindo reforço na absorção.

Pantys Dry, a única no mundo a absorver até 100ml de urina.

“Tivemos que desenvolver uma nova tecnologia de forro totalmente diferente da que trabalhamos em nossa linha de menstruação. Demorou quase 18 meses para conseguirmos uma absorção 4 vezes maior que as nossas calcinhas, suportando líquidos sem viscosidade”, explica Maria Eduarda, sócia da Pantys.

Não indicada para menstruação, a novidade foi desenvolvida para trazer conforto e feminilidade para mulheres que possuem escapes involuntários, trazendo um diferencial importante em comparação com as outras apresentadas no mercado: a tecnologia. “Grande parte dos produtos apresentados hoje em dia possui a mesma função para urina e menstruação, não sendo 100% segura para quem passará muitas horas com o produto. Outro diferencial foi o design, que, após pesquisas com usuárias, chegamos à modelagem básica com cintura alta, democrática para todas as idades e corpos. Com esse lançamento, desejamos que as mulheres que tenham incontinência urinária, de leve a intensa, possam viver uma nova experiência de segurança e liberdade com a situação”, conta Emily Ewell.

As calcinhas da Yuper e da Hope Flow já foram pensadas para absorver uma incontinência leve e moderada, e esse nicho também está sendo estudado com atenção por ambas as marcas.

IMPACTO SOCIAL

Não é só de promover conforto e segurança que as marcas de calcinhas absorventes vivem: elas têm um papel social importantíssimo de inclusão, autoestima e educação menstrual, em um país que convive com a pobreza menstrual de mulheres jovens e adultas que não têm acesso a meios ou recursos para conter seus fluxos, gerando desafios em seu convívio em sociedade, como faltar ao trabalho ou aos estudos, e até graves problemas de saúde, como infecções.

O estudo completo da Unicef e UNFPA sobre a Pobreza Menstrual no Brasil pode ser baixado pelo link. https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-menstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf

Segundo o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, lançado em 2021 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), cerca de 713 mil meninas brasileiras vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. Além disso, 900 mil não possuem água canalizada em casa e 6,5 milhões vivem em moradias sem ligação à rede de esgoto e a serviços básicos para garantir a saúde e a dignidade menstrual.

Ainda de acordo com o estudo, a situação, sem nenhuma surpresa, envolve desigualdade social, na qual o orçamento familiar escasso prioriza a alimentação, e racial, em que a chance de uma menina negra não possuir acesso a banheiros é quase três vezes a chance de encontrarmos uma menina branca nas mesmas condições.

A fim de alertar a população e trazer condições mais dignas a essas mulheres e meninas, algumas marcas, como a Pantys, participam de ações e projetos inspiradores. Confira alguns deles acessando o link.

Deixe um comentário

Top