Dia da Colheita 2023 mostra a evolução do projeto do cultivo do algodão orgânico em Ingá, trazendo junto o desenvolvimento socioeconômico da região

Tempo seco, sol a pino, e chegando ao município de Ingá, no sertão paraibano, ainda vemos agricultores terminando sua colheita de algodão orgânico, entre eles homens e mulheres, cada um em seu hectare de terra, e cada pluma daquela é muito aguardada.

A cena aconteceu durante o Dia da Colheita 2023, realizado em 26 e 27 de outubro na comunidade de Piabas, e a convite da Associação Brasileira da Indústria, Comércio, Serviços e Educação para a Moda Sustentável (Abrimos), presidida por Francisca Vieira, e da Prefeitura de Ingá (PB), Costura Perfeita pôde conhecer os avanços que o projeto – que foi batizado de (ilu)miara – conseguiu de um ano para o outro, e foram muitos.

Em 2022, estivemos presentes à primeira edição da apresentação do projeto ao público (a matéria está na edição 129 – set/out 2022 – https://bit.ly/41qV5fL), e impressiona os passos a mais dados pelos agricultores, organizadores e todos os envolvidos, tanto do setor público quanto do privado, como Prefeitura de Ingá, Governo do Estado da Paraíba, Senai-PB, Sebre-PB, Empaer, Abrimos, Natural Cotton Color, Dalila Ateliê Têxtil, Cataguases, Redes Santa Luzia, Instituto IA – Incubação e Aceleração, entre muitos outros.

“Evolução é, efetivamente, a palavra-chave desse projeto”, afirma Tiago Inácio Peixoto, CEO da Cataguases, que abraçou a empreitada lá no início, em 2020, junto ao seu amigo e empresário André Klein, CEO da Dalila Ateliê Têxtil. Dos 5 hectares e 5 agricultores que acreditaram e puseram todo seu empenho em fazer a ideia do algodão orgânico do Ingá dar certo, em 2021 12 famílias plantaram em 12 hectares, colhendo quase 11 toneladas em rama. Em 2022, passou para 36 cooperados em 48 hectares, onde produziram 41,6 toneladas de algodão em rama, que beneficiado se transformou em 16 toneladas de pluma. Agora, em 2023, se multiplicaram para 56 agricultores produzindo em 100 hectares, convertidos em 105 toneladas de algodão em rama colhidos, segundo dados da Cooperativa dos Agricultores do Município de Ingá e Região (Itacoop).

PROJETO (ILU)MIARA

O nome (ilu)miara é uma homenagem e referência às nossas raízes. Nos anos 1970, Ariano Suassuna criou o conceito desse neologismo associado às Itacoatiaras do sertão da Paraíba, como a Pedra do Ingá. Esse termo seria usado para identificar conjuntos artísticos diversos que celebrassem a cultura do povo brasileiro, e é esse o cerne deste projeto, a alma do algodão orgânico da Paraíba.

“É uma síntese do que nós acreditamos: o algodão orgânico enquanto vetor transformador na vida dos nossos parceiros do sertão e de toda a cadeia produtiva, na reafirmação da cultura local e do valor intangível do nosso produto. O “ouro branco” do sertão tomando novas formas e proporções, com respeito, dedicação e cuidado, iluminando caminhos ao levar a nossa história e tradições consigo, do Ingá para Cataguases e Dalila e, de nossas fábricas, para o mundo”, declaram os CEOs da Cataguases e da Dalila Ateliê Têxtil. Assista ao vídeo sobre o projeto (ilu)miara acessando o link:

INVESTIMENTOS

Para que o projeto do algodão orgânico do Ingá ganhasse tração, em 2022 já se falava da necessidade de haver uma estação de beneficiamento da rama que fosse mais próxima dos produtores, além de mais eficiente. Até então, eles precisavam levar as sacas para serem beneficiadas em usinas próximas, o que acabava reduzindo sua produtividade. E como algodão orgânico não pode ser contaminado para que realmente chegue puro ao mercado, essa demanda era mais que urgente.

Desde 2022 os atores deste projeto – prefeitura, agricultores e empresários – já pensavam em como viabilizar um maquinário mais moderno e próximo da produção de Ingá. Após muitas conversas, André Klein, da Dalila, Tiago Peixoto, da Cataguases, e Francisca Vieira, da Abrimos e Natural Cotton Color, conseguiram um aporte para a compra do maquinário necessário, financiado pelas duas tecelagens à cooperativa dos agricultores, e o prefeito de Ingá, Robério Burity, conseguiu, junto ao poder legislativo da Paraíba, a desapropriação do terreno onde havia uma usina abandonada há décadas, em ruínas, para que fosse doado à construção de uma nova que abrigasse a nova descaroçadeira que estava por vir.

A antiga usina em questão foi construída em Ingá em 1936 pela empresa americana Anderson, Clayton & Company, especializada em negócios à base de algodão (fibras, fios, óleos), e um de seus donos, William Clayton, era conhecido mundialmente como “o rei do algodão”. A multinacional permaneceu por décadas na região enquanto Ingá ocupava o posto de segundo maior produtor de algodão do estado da Paraíba, mas abandonaram tudo quando, em meados dos anos 1970, o preço do algodão começou a cair e o bicudo aparecer, o que, na década seguinte, dizimou essa cultura não só na Paraíba, mas em todos os estados onde se plantava algodão.

Imóvel formalizado em nome da cooperativa (Itacoop), atualmente presidida por Antônio Barbosa da Silva, o Seu Calú, a prefeitura de Ingá entrou com a reforma das instalações, e Dalila e Cataguases com a nova máquina para beneficiamento do algodão, uma descaroçadeira moderna da marca americana Lummus, capaz de beneficiar até 4 toneladas de rama por hora, equivalente a oito fardos de 190 quilos de pluma. A inauguração da nova usina de beneficiamento ocorreu em maio deste ano.

“Nosso investimento na infraestrutura para viabilizar a escala no descaroçamento do algodão foi, sem dúvidas, um marco no projeto (ilu)miara. Demos o start no equipamento este ano, o que nos possibilita pensar num futuro de cada vez mais crescimento”, ressalta André Klein, CEO da Dalila Ateliê Têxtil.

Tiago Peixoto, CEO da Cataguases, endossa a visão de que a produtividade tem aumentado exponencialmente a cada ano, e agora ainda mais com esse passo importante. “Só do ano passado para este, o aumento foi de quase 50% de matéria-prima colhida. Com a inauguração da usina de beneficiamento que nós, Cataguases e Dalila, estamos viabilizando, o preparo do algodão colhido para chegar até as fábricas terá um salto de produtividade de 225 para 1600 quilos de pluma beneficiada por hora; isso significa o trabalho de 8 meses sendo realizado em 72h. Foram investimentos de mais de R$ 700 mil, além da compra garantida do total das safras, que ultrapassam R$ 4 milhões e que geram um valor inestimável em evolução.”

ORGANIZAÇÃO É A CHAVE

O empresário André Klein conta que ele e Tiago, da Cataguases, começaram a apostar no projeto do algodão orgânico do Ingá porque enxergaram um grande potencial de desenvolvimento social por meio do fomento e cultivo de um negócio que poderia ser valorizado internacionalmente. “Mas era uma visão a partir de uma situação extremamente incipiente, inicial, onde tínhamos tudo para ser feito”, relata.

“No Início, na safra 2020/21, precisávamos construir uma relação de confiança entre os envolvidos. Compramos o pouco algodão disponível na época e fomos pessoalmente até Ingá, pela primeira vez, para conversar olho no olho com os agricultores, mapear a região, entender os desafios e as oportunidades. Desde o começo percebemos que o grande foco seria fortalecer um projeto social de grande escala, conectando com a oportunidade de transformar esta iniciativa em um produto de valor. Como ponto forte, o desejo das pessoas de reconstruir uma história e deixar um legado através da força do trabalho, além de um solo limpo de impurezas e defensivos químicos. No entanto, os desafios eram bastante relevantes, como organizar a cooperativa em todos os sentidos, desde estrutura produtiva para limpeza e descaroçamento do algodão, passando por um trabalho de organização de gestão administrativa e criação de um modelo que viabilizasse maior escala na agricultura, considerando o fato de estarmos em uma região semiárida, onde as chuvas são um elemento importante para a prosperidade do plantio”, detalha.

Durante o encontro no Dia da Colheita, Klein aproveitou a oportunidade de enfatizar que, para que o projeto cresça e seja sustentável, é necessário, agora, que a produção do algodão e seu beneficiamento ganhem escala. “Racionalizando, o projeto só fica de pé se aumentarmos de tamanho, temos que ter essa clareza. Essa operação tem custos fixos que não se pagam no tamanho que ele está hoje, tem que crescer, cada um fazendo seu papel. Acho que o que temos é que construir juntos, e aqui encontramos isso com muita força.”

Ele ainda ressaltou o olhar empreendedor do prefeito Robério Burity, de construir as coisas de forma colaborativa. “Dá um trabalho danado fazer todo esse processo, e nosso papel como empresa – Dalila e Cataguases – é de profissionalização, para que daqui a 5 ou 10 anos, fazer com que a Paraíba se torne realmente uma referência internacional de produção de orgânicos, especialmente o algodão, e acho que temos toda a condição de crescermos muito, e todo esse movimento de escalar é o que fará com que realizemos transformações”, completou o empresário.  

Aqui, vale destacar o importantíssimo trabalho que vem sendo feito por Pryscilla Dóra e Josey Wales Diniz Belmot, respectivamente idealizadora e diretor-presidente do Instituto IA – Incubação e Aceleração, em toda a estruturação e na captação de recursos do projeto (ilu)miara.

PRODUÇÃO CONSORCIADA

Durante a visita às estações do Dia da Colheita 2023, Ricardo Pereira, extensionista rural da Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer), explicou em detalhes como é feito o cultivo do algodão orgânico agroecológico e a agricultura familiar no projeto (ilu)miara, em Ingá.

Ele começa dizendo que devido à cultura tradicional do algodão ser mais danosa ao meio ambiente e às pessoas, foram em busca de uma cultura mais equilibrada e que fosse capaz de levar segurança alimentar e nutricional a quem topasse produzir esse algodão orgânico. Nisso, chegaram ao modelo que possuem hoje: o algodão focado na produção agroecológica (sem certificação, mas com manejo sustentável) e o orgânico (com certificação de órgãos oficiais junto ao Ministério da Agricultura). Juntamente, chegaram também ao modelo consorciado: o algodão é plantado junto a alimentos que complementam as necessidades do solo e, principalmente, para o consumo próprio dos agricultores, como a fava, o milho e o feijão.

“Desta forma, o alimento plantado junto ao algodão também estará livre de agrotóxicos, matando a fome e melhorando a saúde dos produtores. Hoje, a cidade tem 96% de sua produção agrícola sem agrotóxicos”, destaca o prefeito de Ingá.

Ricardo conta que o formato da produção tem três pilares: a janela de plantio, com uma data específica para plantar o algodão, pois todo o manejo preventivo que fazem é baseado nas condições climáticas.

“Catalogamos todas as características propícias para as pragas se desenvolverem. O bicudo, por exemplo, precisa de uma umidade, temperatura e luminosidade adequadas para se desenvolver. Então, usamos como estratégia de cultivo o retardamento do semeio, para que quando esteja na fase de floração, que é quando o bicudo causa o dano, esse ambiente não esteja mais favorável para sua reprodução, ou se chegar a se reproduzir, não esteja favorável para o dano comercial. Outro princípio é o consórcio: além de ser uma estratégia de controle de pragas, pois compartimentamos a área de cultivo, não haverá uma área exclusivamente de algodão, terá faixas. Cria-se barreiras entre essas faixas e aqueles insetos que estão atacando uma determinada faixa, sentem mais dificuldade de se propagar para outra, isso nos dá uma ação mais eficiente de controle com produtos naturais.”

O terceiro princípio é o uso de produtos que sejam compatíveis com o equilíbrio ecológico, e para isso usam alguns extratos como o de nim (ou neem), compatível com a produção orgânica; plantas nativas da região, como o pereiro, extremamente eficiente no controle de pragas, e ainda alguns tipos de controle biológico, como o fungo. “Recentemente utilizamos o polverea, que é um fungo que mata insetos de carapaça. Usamos num pequeno ataque de bicudo e tivemos 100% de eficiência. Temos um conjunto de estratégias favoráveis a se ter um produto orgânico e de alta qualidade”, completa o extensionista.

CERTIFICAÇÕES INTERNACIONAIS

Ter um algodão orgânico com ainda mais valor agregado é a meta do (ilu)miara, e certificações nacionais e internacionais têm um grande peso nesta questão. Por isso, toda a estruturação para que sejam alcançadas está sendo feita. Entre as certificações almejadas estão a NOP, voltada ao mercado norte-americano, e em especial a Global Organic Textile Standard (GOTS), considerada a mais importante aos têxteis orgânicos em âmbito mundial.

De acordo com os engenheiros agrônomos Givaldo Farias e Eliane Cecília de Medeiros, que acompanham de perto o projeto do algodão orgânico do Ingá desde o início, orientando a todos para que as normas necessárias a estas certificações sejam cumpridas, até os agricultores de terras vizinhas recebem defensivos naturais para que não haja contaminação cruzada no solo e na água, o que poderia colocar todo o trabalho a perder.

FRIEND OF THE EARTH

O Friend of the Earth é um certificado internacional emitido pela World Sustainability Organization (WSO), voltado à agricultura e pecuária sustentáveis, abrangendo diversos setores, entre eles, o têxtil e de moda. Criada em 2016, a certificação segue as diretrizes da Avaliação de Sustentabilidade dos Sistemas Alimentares e Agrícolas (SAFA) da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que têm como princípios a salvaguarda e proteção de todo o ecossistema. A Natural Cotton Color foi certificada com o Friend of the Earth em 2022, e é uma das seletas marcas brasileiras a conquistar o selo. As outras são Celeste, Demodê Ateliê e Trópicca.

BANCO DE SEMENTES PRÓPRIO

Uma novidade anunciada no Dia da Colheita deste ano é a parceria entre a Prefeitura de Ingá e a Embrapa para a implantação de um banco de sementes (ou sementeiro) próprio na cidade, para que os agricultores do projeto (ilu)miara tenham à sua disposição sementes orgânicas de alta qualidade, sem ter que comprar de atravessadores, e com garantia de origem.

“Os compradores do algodão dizem que não podem aumentar muito o valor pago, senão fica inviável, pois já é o mais alto praticado no país. Por isso, temos que aumentar a produção por hectare com um solo melhor e uma semente melhor, e é esse o intuito da parceria com a Embrapa. Futuramente, plantaremos aqui os algodões orgânicos branco, verde e rubi, coloridos naturalmente”, diz o prefeito de Ingá.

Nair Helena Castro Arriel, agrônoma e chefe-geral da Embrapa Algodão, que atua no projeto do Algodão da Paraíba há 20 anos, – o que nasce colorido naturalmente -, ficou empolgada com a novidade, e destaca que a parceria com a Prefeitura de Ingá possibilitará fazer treinamentos dos agricultores, capacitação, ver área por área durante todo o ciclo da cultura e fazer as recomendações para o manejo do algodão seguindo os processos da agroecologia. “Estamos firmando esta cooperação técnica com o projeto para podermos dar todas as orientações, desde a escolha e preparo de área, dos consórcios, do manejo da cultura até a colheita”, diz. Segundo Nair, a Paraíba é referência mundial em bancos de sementes, possuindo mais de 700 bancos comunitários.

“Precisa haver um incentivo e organização por parte do governo a essa cadeia agroecológica, pois existem várias iniciativas que precisam de um direcionamento para a agricultura familiar, agroecológica e com o algodão, em especial. Aqui na Paraíba foi criada a Câmara do Algodão (estadual), justamente para resgatar demandas e as necessidades dos agricultores para que eles possam ter essa cadeia mais organizada”, comenta.

A iniciativa partiu da Secretaria de Agricultura Familiar do Estado da Paraíba, junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), e os agricultores já estão se cadastrando no Renasem (Registro Nacional de Sementes e Mudas), para que possam produzir suas sementes orgânicas certificadas pelo IBD. “Isso dará mais autonomia aos agricultores”, destaca Nair.

Ainda na questão de ajuda do poder público, Francisca Vieira, fundadora da Natural Cotton Color e presidente da Abrimos, destaca a escassez de assistência técnica na lavoura para que o projeto cresça, e dá o exemplo da falta de concursos públicos para a formação de novos técnicos agrícolas.

“Ingá tem apenas cinco técnicos agrícolas, há municípios próximos que não têm um extensionista com uma moto para ir ao campo. Os técnicos na ativa estão envelhecendo, não aguentam mais o trabalho de campo, e isso dificulta o crescimento da área plantada, da certificação, pois é preciso assistência técnica para certificar. Hoje há vários municípios querendo plantar, mas como não há essa assistência, não adianta começar. Além disso, há municípios na Paraíba onde não se consegue nenhuma hora de corte, ou seja, a terra é muito dura, é preciso maquinário para cortar e afofar. Estamos começando a migrar para estados vizinhos que têm uma infraestrutura melhor, como é o caso do Rio Grande do Norte, o que é uma pena, pois o projeto é Algodão da Paraíba”, lamenta.

CAPITALIZAÇÃO DA COOPERATIVA

Outra novidade apresentada durante o evento foi a de que, agora, com a cooperativa estruturada, os agricultores se organizaram e separaram 7 hectares de toda a área plantada exclusivamente à Itacoop.

“Os agricultores já deram um segundo passo, que foi a posse da cooperativa; era um negócio tão grandioso que eles não acreditavam que era deles. Agora, a ideia é capitalizar a cooperativa para que comprem a própria safra desta área, e na hora de negociar, vendam por um preço melhor”, comenta o prefeito de Ingá.  

CONVIDADOS ESPECIAIS

No Dia da Colheita deste ano, visitas especiais estiveram presentes para conhecer de perto o projeto, como a diretora de Negócios da ApexBrasil, Maria Paula Velloso; Newma Mateus Barbosa, da área de marketing e mídia da certificadora internacional Friend of the Earth; equipes técnicas das Lojas Renner e Calvin Klein Brasil; e os familiares de André Klein, da Dalila.

“Este ano trouxe minha família – minha esposa, meus filhos, meus pais -, para que eles vejam que é possível fazer negócios fazendo o bem, construindo oportunidades a outras pessoas e melhorando vidas. Dá trabalho, mas estamos aqui para isso: trabalhar e fazer as coisas acontecerem”, disse emocionado durante o evento.

Ele conta que foi um momento de celebrar junto aos agricultores e todos os envolvidos no projeto, e destacou: “o que estamos construindo na Paraíba é um projeto muito improvável. Cataguases e Dalila juntas, fomentando a estrutura de uma operação que, até então, era focada no artesanato, pequena escala e envolvia poucas pessoas. Um local de clima difícil, dificuldades econômicas e sociais relevantes, mas sempre é possível irmos além. Tenho absoluta certeza de que meus filhos Rafael e Luiza, que estão com 8 e 11 anos de idade, respectivamente, sempre lembrarão destes momentos, e que experiências como esta influenciarão diretamente nos seus princípios e valores.”

O gerente-geral de Sustentabilidade da Lojas Renner, Eduardo Ferlauto, que acompanhou todo o roteiro da visita, passando pela lavoura, usina de beneficiamento e o desfile em meio à plantação, fez suas considerações sobre o que mais chamou sua atenção, como ter dois players da cadeia produtiva de moda atuando nesse projeto, que é a Dalila e a Cataguases, olhando mais para a questão social.

“Isso ficou muito destacado para mim, porque quando começamos o uso do algodão agroecológico na Renner, em 2016, com o fomento às famílias produtoras, era difícil enxergar essa parte. Vemos que temas relacionados não só à parte ambiental, mas também à social, vêm ganhando relevância na nossa cadeia”, relata. “Outra coisa que me chamou a atenção foi a parceria público-privada, com o prefeito e diversas organizações governamentais que estão ajudando nesta construção com a parte de educação, treinamentos. Há uma vontade muito grande de fazer isso acontecer e sempre manter uma quantidade adequada de produtores, o resgate de uma cultura.”

Newma Mateus Barbosa, da Friend of the Earth, é brasileira, mas vive na Itália há mais de 20 anos, onde fica a sede da certificadora. Ela foi convidada a conhecer mais sobre o projeto na Paraíba, já que a marca Natural Cotton Color, de Francisca Vieira, recebeu a certificação este ano.

“Foi uma honra participar deste evento representando a certificação Friend of the Earth e entender melhor o cultivo e produção do algodão sustentável. Agradeço à Natural Cotton Color e ao prefeito pelo convite e hospitalidade”, retribuiu.

“Foi compartilhada uma história de sucesso extraordinária, a de uma revolução silenciosa liderada pelas mulheres e pelo algodão. Nós, da Friend of the Earth estávamos lá, fomos testemunhar em primeira mão esta grande revolução, bem como o triunfo da sustentabilidade e da igualdade de gênero. O nosso logotipo nas peças apresentadas pela Natural Cotton Color é um testemunho destes valores”, ressaltou Newma.

EMPODERAMENTO FEMININO

Dentro montante de agricultores do projeto que vem crescendo a cada ano, destaca-se o número crescente de mulheres que vem participando ativamente do roçado: no início eram apenas duas, agora são 17, e se tiver mais terra, virão outras mais. Outro dado importante é que tanto a produtividade quanto o valor ganho, dividido entre os cooperados, é igual entre homens e mulheres, trazendo a independência financeira a elas. 

O REFLORESCER DO INGÁ

Com o crescimento do projeto (ilu)miara, vem aumentando também a geração de renda e uma transformação socioeconômica está em curso na região de Ingá, atraindo jovens para a lavoura.

O agricultor Severino Vicente, o Biu, outra liderança entre os cooperados, diz que a lembrança triste dos tempos do bicudo, lá nos anos 1980, ficaram para trás. Isso porque, naquele período e até pouco tempo, muitos jovens migravam da região para trabalhar até em outros estados, em busca de melhores oportunidades de emprego, inclusive seus filhos, que foram para o Sul. Mas agora, vendo a esperança plantada no algodão do Ingá, estão retornando.  

“Jovens voltando para o campo: isso o que está acontecendo é muito bom, pois da mesma forma que vi muitos amigos “perderem” seus filhos para irem trabalhar em outro lugar, agora estão tendo eles de volta para lidar com o algodão. Eles vendo que trabalhamos unidos – aqui ninguém trabalha só – um vai ajudando o outro. A vinda dos jovens e das mulheres para o campo é o que nos mais deixa gratos. Hoje tenho 3 filhos trabalhando comigo no roçado”, comemora. 

“Faz parte do nosso DNA desenvolver e apoiar ações e projetos de sustentabilidade. Para nós, o projeto algodão orgânico é muito mais do que um produto sustentável. É um olhar e um resgate desta região da Paraíba, que visa a geração de renda local e benefícios para comunidade”, completa Tiago Inácio Peixoto, CEO da Cataguases.

AGREGANDO VALOR E CULTURA

O trabalho de artesanato das mulheres do Ingá trazem um componente extra especial: a agregação de valor aos produtos e à renda das mulheres da região, como as de comunidades quilombolas.

Nady Jakelle, gerente da EcoSol – Economia Solidária de Ingá (PB), conta que na comunidade quilombola de Pedra D’água, localizada na zona rural do distrito de Pontina, a 15 km do centro do Ingá, habitam cerca de 110 famílias, e as artesãs mantêm a tradição cultural do artesanato totalmente manual do bordado em labirinto, patrimônio cultural da Paraíba, passado de geração para geração.

“O labirinto tradicional de Pedra D’agua é confeccionado no tecido linhão, uma construção rica em detalhes que é produzida, em média, por 20 mulheres da comunidade. As produções são feitas tanto de forma independente ou em grupo, quando se reúnem no centro quilombola.”

DESFILE

Fechando o Dia da Colheita 2023, o desfile coletivo foi apresentado em meio à plantação de algodão, no icônico pôr do sol do Ingá, com as participações da Natural Cotton Color, Dalila Ateliê Têxtil, Cataguases e Redes Santa Luzia, todos feitos com o algodão orgânico e colorido da Paraíba. Mantas para sofá, redes e peseiras da Santa Luzia, por exemplo, foram usadas como xales. Os looks foram desfilados por amigos do projeto e cidadãos de Ingá.