Com o cenário político-econômico local e global instável, empresários devem ficar ainda mais atentos a planejamentos internos de custos, produção e investimentos
Chegar a um final de ano já planejando o próximo é quase sempre uma vitória, não é? Ajustes de lemes acontecem e são imprescindíveis para uma empresa se manter saudável.
Para as confecções e o setor têxtil em geral, que são muito sensíveis a qualquer variante, ter a clareza sobre o perfil de seus consumidores e comportamentos de consumo é ouro, e acompanhar as movimentações mercadológicas, que envolvem as questões político-econômicas internas e em como as externas interferem no cenário, também é importantíssimo para as melhores escolhas estratégicas de seus negócios.
Este final de 2022 e início de 2023, particularmente, deixa a visão macro um pouco mais turva do que de costume, pois, além de todos os perrengues com inflação, subida de custos de matérias-primas, fretes, juros, cadeia de fornecimento ainda irregular, varejo vendendo menos devido ao endividamento da população, entre outros fatores, tivemos as eleições presidenciais ultrapolarizadas, com consequências que ainda poderemos ver depois da formalização da transição de governo, a posse do novo presidente e sua equipe formada com as primeiras medidas traçadas.
Em seu documento intitulado Economia Brasileira 2022-2023, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) traça uma análise macroeconômica da indústria brasileira, destacando, por exemplo, o crescimento do PIB de 2022 em 3,1% e projeção de 1,6% em 2023, um decréscimo que tem seu respaldo nos altos juros e na inflação e, consequentemente, menor crescimento mundial. A taxa de juros básica deve permanecer acima dos dois dígitos, com a taxa Selic na faixa dos 13,75% ao ano até meados de setembro de 2023, fechando o ano em 11,75%.
A PEC da Transição é outro aspecto abordado da análise da CNI que deve impactar o cenário fiscal em 2023, com a expansão adicional de até R$ 200 bilhões nas despesas primárias do governo federal, para além do teto de gastos. Em um primeiro momento, segundo o documento, essa expansão pode gerar efeitos positivos ao crescimento do PIB, mas, depois, trazer consequências negativas à economia nacional, aumentando juros, inflação e desvalorizando o câmbio.
Na visão do presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, para que o país crie bases para um crescimento sustentável em 2023, é necessária uma reforma tributária sobre o consumo, bem como corrigir distorções do sistema tributário atual, que drenam a competitividade da indústria com eficiência da economia. Ainda em suas palavras, o Brasil está muito atrasado na adoção de uma política industrial moderna e que trabalhe a digitalização e a descarbonização na produção e na economia.
“Defendemos que o novo governo coloque como uma de suas prioridades a adoção de uma política industrial alinhada às melhores práticas internacionais, que tenha como objetivos o aumento da produtividade e a inserção das empresas brasileiras na economia global. As iniciativas devem prever ações que fortaleçam a indústria e ajudem o país a aproveitar as oportunidades abertas pela revolução tecnológica e pela transição para a economia de baixo carbono. A premissa básica é a seguinte: não existe país forte e desenvolvido sem uma indústria competitiva e integrada ao mercado global”, frisou o presidente da CNI.
Ele ainda ressaltou que as propostas que compõem o Plano para a Retomada da Indústria, entregue ao futuro governo, não estão pautadas em criação de incentivos ou redução de tributos, mas na adoção de medidas que garantam equidade às indústrias nacionais diante das condições acirradas de competitividade do mercado internacional, com aplicação de políticas de apoio similares aos seus concorrentes e redução do Custo Brasil.
SETOR TÊXTIL E CONFECCIONISTA
Em uma análise setorial prévia, pois como dito antes, são tantas emoções. Quer dizer, são tantas variáveis que é difícil conjecturar algo com um cenário tão volátil. Mas, conforme as informações do momento, o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, destaca algumas vertentes que se conectam.
Primeiro, a avaliação de 2022. Segundo, sua análise. A economia brasileira deve fechar este ano com um crescimento do PIB próximo a 2,7%, maior do que se esperava no início dele. Esse resultado é motivado pelo aumento do número de pessoas empregadas e melhoria da massa salarial, apesar de a renda média individual ainda não ter atingido patamares vividos antes da pandemia. Em parte, essa melhoria da condição macroeconômica se refletiu no varejo, porém o consumo teve mudanças de comportamentos, por exemplo, troca de uma marca por outra que se encaixasse no bolso, já que a base da pirâmide social está sendo ainda muito afetada pelos índices de inflação, que reduzem seu poder de compra. É importante lembrar que um dos efeitos colaterais da pandemia foi colocar quase 30% dos cidadãos brasileiros abaixo da linha da pobreza e extrema pobreza, segundo dados históricos do IBGE.
Nos setores têxtil e confeccionista, o resultado para o ano de 2022 é fechar com 4% de queda na produção, puxada mais pelas tecelagens do que pelas confecções. De acordo com Pimentel, a produção sentiu o fortíssimo aumento de custos vivenciados principalmente no primeiro semestre, em fretes marítimos, aéreos, terrestres, matérias-primas diversas, entre outros, e dá o exemplo do algodão, um dos insumos mais utilizados na indústria. Em junho, a pluma atingiu um dos maiores níveis de preço dos últimos 10 anos, impactando toda a cadeia produtiva que se utiliza majoritariamente dessa matéria-prima.
O consumo no varejo, porém, deve fechar com um aumento entre 4% e 5%, mas o presidente da Abit atenta que a base comparativa, o ano de 2021, é mais fraca. Isso porque no ano passado, apesar de uma forte onda de consumo iniciada no segundo semestre de 2020, ela foi se arrefecendo no final de 2021, outro impacto causado pela alta de casos de Covid-19, com a nova cepa surgida em Manaus e que se espalhou pelo país. Este ano, com um frio atípico e mais chuvas que o esperado, a circulação de pessoas na rua também acabou reduzindo, o que afeta o consumo em lojas físicas. Apesar do e-commerce, o maior faturamento ainda vem do comércio físico.
No comércio exterior, as importações, somando têxtil e confecção, devem crescer 1%. Mas há um grande porém aqui: dentro dessa fatia, as importações no setor confeccionista aumentaram 33% em 2022. Entre os quase 900 milhões de peças confeccionadas importadas, quase metade é composta de luvas e meias, afetando muito os produtores nacionais desses artigos. Já as exportações brasileiras do setor devem crescer 2% comparadas a 2021.
Em postos de trabalho formais, este ano deve fechar na casa de 9 mil empregos, puxados pelo setor confeccionista.
“Dentro desse contexto, podemos dizer que 2022 não foi um ano desastroso, mas também não foi tão positivo a ponto de celebrar. É um cenário com muitas variáveis e não vejo sinal de que vaõ se amainar em curto prazo. Seja como for, é um ano em que, no geral, as empresas não fecham mal no conjunto, mas muito preocupadas com os resultados dos últimos meses, que têm sido desafiadores mediante a reestruturação de pedidos do varejo, que acaba afetando toda a cadeia produtiva”, avalia Pimentel.
EFEITO BOLHA
Para 2023, por enquanto, o presidente da Abit não prevê grandes mudanças no cenário do setor: o PIB ele projeta que deva crescer entre 1,5% e 1,8%, com o têxtil e a confecção acompanhando essa porcentagem. As importações podem crescer 5%, atingindo 1,79 milhão de toneladas, e as exportações aumentarem até 3%, com um consumo interno crescendo apenas 1%. Na área de empregos, se tudo correr nas previsões acima, o setor deve gerar em 2023 mais 5 mil postos formais de trabalho.
“Claro que tudo isso que falei dependerá de câmbio, taxa de juros, endividamento do consumidor, geração de postos de trabalho em geral, bem como do cenário internacional, que continua bastante incerto. A China, com o recrudescimento da Covid-19, não sabemos se continuará com a política de tolerância zero; as tensões geopolíticas entre Ucrânia, Rússia, Taiwan e China, ou seja, há muitas variáveis tanto no mercado local quanto no global”, arremata.
Já o especialista em confecção, Eduardo Cristian, que vive de perto o dia a dia delas em todo o país, alerta para um “efeito bolha” em 2023 que já era previsto, e nada tem a ver com a questão política brasileira e a troca de poderes. É por uma conjunção de fatores que vinham se desenhando há pelo menos dois anos.
“Historicamente, temos um ‘efeito bolha’ a cada mudança de década com um ciclo de renovação de mercado, resultando na entrada e saída de players, sejam de pequeno, médio ou grande porte. Mas com o advento da pandemia, esse ciclo se encurtou. De 2020 para cá, depois do lockdown e demissões, houve uma euforia no consumo muito acima do que era esperado, e a cadeia não estava preparada para isso. Agora, estamos na fase da calmaria, e com ela vem a transição política no país, a insegurança do consumidor e do investidor. Quando há um consumidor mais inseguro, ele retrai sua forma de consumir, e, quando há um empreendedor inseguro, ele refreia um pouco a produção, gerando uma quebra no ritmo em que a cadeia estava vindo”, contextualiza Eduardo.
Essa quebra, segundo ele, acontecerá no primeiro semestre de 2023, e ele explica os motivos: “Os meses de outubro, novembro e dezembro são os que os confeccionistas contam com as vendas para fazer caixa para o primeiro trimestre do ano seguinte, fazer coleção de inverno, renovar o ciclo dele. Porém, este ano, as vendas estão muito aquém do esperado. Pelas análises que estamos fazendo aqui na consultoria, cerca de 30% menores. O que isso acarreta? Muitos confeccionistas acabam entrando o ano de 2023 endividados, praticamente sem capital de giro, o que impacta no crédito deles com fornecedores e numa série de fatores que dificultarão sua alavancagem.
Além disso, Eduardo Cristian alerta para o fato de muitos aventureiros que abriram negócios pequenos, especialmente no e-commerce, com o boom do comércio eletrônico da pandemia para cá, não suportarem esse período e saírem de cena, abrindo uma lacuna de 20% menos confecções no mercado. Outro fato curioso que acontece nessa camada é o de profissionais como modelistas, cortadores, pilotistas, costureiras, que foram demitidos no período da pandemia e, para sobreviver, acabaram empreendendo em suas casas, prestando serviços às confecções, impulsionados pelo reaquecimento do consumo. Agora, com essa fase em que a demanda decaiu bastante, muitos deles estão repensando suas atuações e voltando ao emprego formal, de carteira assinada. Aqui vai uma dica valiosa de Eduardo: “confeccionistas, aproveitem essa oportunidade e contratem bons profissionais, com bons salários, para fortalecer o time interno pensando no futuro.”
Mas calma! Antes de pegar o lencinho para enxugar as lágrimas ou fechar a porta da confecção e sair correndo, tem o outro lado da história. Essa lacuna se torna, ao mesmo tempo, 20% mais oportunidades a quem souber enxergá-las e abraçá-las, pois o número de consumidores continuará igual, salienta o consultor, com sua expertise de mercado.
“Essas expectativas, num primeiro momento, podem ser ruins, mas num segundo, muito boas, isso porque faz com que muitas confecções olhem para dentro de seus processos, custos, produção, vendas, e acabem voltando mais fortes depois desse período. Aqueles que passam por essa fase ganham musculatura e voltam com uma onda de crescimento a partir de maio de 2023”, alivia.
Para que isso aconteça, no entanto, Eduardo elenca três pontos básicos: o primeiro é rever custos, que têm que estar sempre em dia; o segundo, além dos custos, rever processos, pois, por mais que se esteja fazendo num formato que tem dado muito certo, sempre há algo que pode ser aperfeiçoado.
“Muitas vezes é aquele momento de analisar se não está na hora de comprar aquela máquina de costura que eu estava pensando há tempos, mas estava enrolando. Investir agora? Sim, pois com o investimento eu reduzirei custos de produção ao mesmo tempo que ganharei eficiência”, observa.
O terceiro ponto é o que ele considera o mais importante: estreitar relacionamentos com clientes, fornecedores e colaboradores. “Pois é exatamente nos momentos de instabilidade e de reestruturação que uma empresa precisa refazer seus votos de relacionamento, criando uma rede de confiança”, conclui.