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PIRATARIA: POBREZA, DESEJO E CRIME NO MUNDO DA MODA

Por Carlos Galego

Os dados parecem surgirem de um maremoto. Entre falsificações, contratação, falsificação e sonegação de impostos, a pirataria gerou em 2021, segundo dados do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), um total de R$ 300 bilhões e meio de perdas setoriais e sonegação. Um mercado ilegal que representa 2% do PIB dos países da América Latina. No Brasil, o prejuízo registra 3,45% do PIB, e um aumento de 4,4% em relação a 2020.

É neste oceano que navegam os produtos piratas e seus corsários, uma rede que atinge 15 setores no nosso continente e é o terceiro maior mercado do crime organizado (atrás somente do tráfico de armas e drogas) e que se sobressaem dentro da indústria da moda. O setor do vestuário é o recordista dos piratas: os dados do FNCP mostram uma perda de R$ 60 bilhões em 2021, seguidos de outros itens do setor da moda: R$ 8,5 bilhões no mercado de óculos e R$ 9 bilhões na categoria de esportivos.

No vestuário, estamos falando de um universo tomado por falsificações de bolsas, calçados, acessórios, relógios, vestidos, bermudas, calças e os mais variados produtos que envolvem cadeia da indústria da moda. Um infinito mar de possibilidades e ilegalidades que passam por complexas redes criminosas com aparatos tecnológicos, logística de distribuição e vendas, produção, estoque e estratégias de mercado. E estão por toda parte: nas ruas, nas praças, disponíveis pela internet e até dentro das lojas.

O DESEJO QUE ABASTECE O CRIME

A roupa do desfile e do clipe de seu astro da música, o tênis do atleta da vez, o vestido igual da famosa na capa da revista, a ideia de pertencimento ao usar um acessório da moda. A relação entre o desejo de estar dentro dos padrões estabelecidos pelo sistema capitalista cria uma batalha dura entre a indústria e os produtos piratas.
“O Ministério Público faz atuações, mas é um mercado gigantesco. E existe um desejo do consumidor em utilizar uma marca. Se quisermos responder mesmo à questão da pirataria e da contrafação temos que entender por que as pessoas querem tanto um produto de marca. Você quer ter uma marca social. E isso em países subdesenvolvidos se torna mais importante. São questões do aspecto social, do capitalismo, do neoliberalismo. As marcas se preocupam muito com o combate da pirataria. Tem um aspecto importante da contrafação, porque tem as pessoas que estão por trás trabalhando. Quem está trabalhando (na produção) não faz nada. Mas há um empresário se beneficiando”, comenta Alexandre Gaiofato de Souza, sócio-fundador da Gaiofato e Galvão, um dos escritórios mais requisitados por empresas do Brasil e do exterior para cuidar da proteção de suas marcas. “Temos um departamento penal-empresarial, relacionado aos crimes contra empresa – cuidamos de propriedades de marcas nacionais e internacionais.”

Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) parece concordar com a problemática do desejo de consumo, condições sociais e falta de informação para os consumidores.

“A pirataria não é um fenômeno novo e já existe há bastante tempo. Há uma estimativa que o comércio mundial de produtos fake atinja mais de 500 bilhões de dólares por ano, englobando todo o comércio internacional. Isso é fruto de um desejo que as pessoas muitas vezes têm em adquir marcas que não são acessíveis à sua capacidade de aquisição – e entram neste vício. Então, é preciso encarar a pirataria dentro do contexto do ilícito como uma forma mais ampla. Identificamos e estimamos que mercadorias comercializadas na ponta chegam a 35% de tudo o que é vendido no mercado”, comenta Pimentel.

Por isso, é necessário que os consumidores estejam cientes dos riscos e do que desencadeia a compra dos produtos contrafeitos. “Se nós, consumidores, tivéssemos a consciência de que consumir um produto pirata, além de trazer evasão fiscal, que poderíamos ter esses recursos aplicados em saúde, educação, segurança, estamos correndo riscos derivados de um produto malfeito: um tingimento (se for um têxtil), com substâncias não adequadas em seu processo, uma roupa de bebê que não siga as regras, que tenham cordões que possam gerar um estrangulamento de uma criança. São vários os problemas que podem causar ao consumidor. Quanto ao combate à pirataria, temos leis e estamos conseguindo fortalecê-las, não àquele que está na rua vendendo, mas principalmente aos grandes fornecedores, para que isso possa ser coibido na origem, e não quando o produto já está esparramado em todo o mercado.”

E-COMMERCE: RIGIDEZ E RESPONSABILIDADE

Nesta cruzada do crime, a busca do ouro criou rotas novas com o aumento do mercado on-line. A venda de produtos falsos pela internet, somada aos desvios de sinais de TV a cabo e plataformas de streaming hoje causam um prejuízo de cerca de R$ 15 bilhões por ano.

Renato Jardim, diretor-executivo da Associação pela Indústria e Comércio Esportivo (Ápice) já declarou que, antes da pandemia, as vendas na internet de produtos esportivos representavam 11% de todos os itens fabricados. Com a crise sanitária, estas saltaram para mais de 20% do total de produtos.

Grande parte dos marketplaces (lojas virtuais hospedadas dentro de grandes redes de varejo) ainda atua isenta de responsabilidades quanto à venda de seus parceiros em suas plataformas, uma vez que os produtos são vendidos por terceiros. Além das multiplataformas, a internet é um vasto mar onde as vendas acontecem também por sites independentes, privados e pelas redes sociais. Mesmo assim, o maior problema se volta aos grandes volumes das plataformas de e-commerce.

No início do ano, o Escritório Representante do Comércio dos Estados Unidos, ligado ao gabinete da Presidência, divulgou a Notorius Market List (NML), ou seja, a lista dos mercados notórios – documento produzido todos os anos pelo governo americano com classificação dos mercados e empresas suspeitos de praticarem, facilitarem, ignorarem e beneficiarem a pirataria e o contrabando. Entre os destaques estão as plataformas Shopee e AliExpress.

No Brasil, foi possível acompanhar o caso emblemático de estímulo à pirataria da Shopee, plataforma líder de e-commerce no Sudeste Asiático e Taiwan, que está no Brasil desde 2019. Voltada à inclusão digital de pequenos negócios, sua recente chegada ao país já conta com mais de 2 milhões de vendedores brasileiros registrados e mais de 1.500 colaboradores. Segundo a própria empresa, seu propósito é conectar consumidores, marcas e vendedores e capacitá-los a comprar e vender de qualquer lugar e a qualquer momento.

Acusada de promover a venda de produtos falsificados e contrabandeados, além da venda sem nota fiscal, em 2021 a empresa recebeu notificação do Procon-SP exigindo explicações sobre a origem e a autenticidade dos produtos ofertados, atestando a regularidade e a autenticidade das lojas. Também foi exigida a retirada de todos os anúncios considerados fruto de campanhas promocionais de produtos ilegais.

Com a possibilidade de multa de R$ 10,9 milhões, no final de 2021 a Shopee assinou um termo de colaboração com o Procon-SP, com o objetivo de assegurar os direitos dos consumidores que utilizam os serviços da empresa. O compromisso voluntário garante agilidade para a remoção de anúncios que estejam em desacordo com a legislação brasileira e prevê canal de comunicação direto entre as instituições, a fim de solucionar os problemas de consumidores que procuram o órgão de defesa para reclamar. Nesse semestre, 1,2 mil queixas foram registradas contra a empresa.

Em comunicado à imprensa, o diretor-executivo do Procon-SP, Fernando Capez, declarou que “O Procon-SP não vai admitir que nenhuma plataforma digital venha ao nosso país e desrespeite as regras. Já firmamos termos de acordo com a Shopee, Mercado Livre e Facily e as demais plataformas também estão convidadas a assinar.”

A plataforma Shopee faz parte da Sea Limited, que também é proprietária de outros negócios, como o Gerena, um desenvolvedor e editor líder de jogos on-line com presença global em mais de 130 mercados, e a SeaMoney, que é uma provedora líder de serviços financeiros e de pagamentos digitais no sudeste da Ásia. Um verdadeiro complexo no mundo virtual.

Shoppe assinou um termo de colaboração com o Procon-SP para a retirada de todos os anúncios considerados fruto de campanhas promocionais de produtos ilegais.
Foto: Marcio Barros

Esclarecimentos também foram pedidos ao Mercado Livre em agosto de 2021. A empresa participou de uma reunião com a Polícia Civil para esclarecer a venda de produtos ilícitos pela plataforma e as ações adotadas para combater a prática. Atualmente, o Mercado Livre possui seu programa de proteção à pirataria com autorização para rastrear e identificar produtos falsos de sua plataforma e retirar qualquer material fruto de ilegalidade.

Para soluções contra irregularidades no e-commerce, diversas medidas estão sendo adotadas pelo governo federal, juntamente com empresas, para combater o comércio eletrônico de itens ilegais. Entre elas estão as ações do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos de Propriedade Intelectual, instância do Ministério da Justiça que trata de todo tipo de ilícitos no comércio. Mas é preciso muito mais.

MEDIDAS RESTRITIVAS E AÇÕES PENAIS

Desde outubro de 2004, o país conta com o Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP), uma instância própria intermediada pela Secretaria do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública – instituição responsável pela aplicação de abordagens e metodologias para o tratamento da questão de produtos piratas.

O órgão tem por finalidade elaborar as diretrizes de plano nacional para o combate à pirataria, à sonegação fiscal dela decorrente e aos delitos contra a propriedade intelectual.
Entre suas ações, recentemente foi aprovada uma nova portaria do Plano Nacional de Combate à Pirataria, ao contrabando, à sonegação fiscal delas decorrentes e aos delitos contra a propriedade intelectual (PNCP 2022-2025). O plano prevê articular a inclusão do combate à pirataria, contrabando e demais delitos contra a propriedade intelectual no Sistema Único de Segurança Pública; iniciar discussões com os estados e o DF sobre a possibilidade de criação de conselhos ou fóruns estaduais de combate à pirataria; participar com sugestões que possam aprimorar sua eficácia e efetividade dos projetos legislativos em tramitação no Congresso Nacional; articular aperfeiçoamentos legislativos; firmar acordos e memorandos de entendimento com entidades ou organizações internacionais com intuito de intercâmbio de informações, entre outras práticas sugeridas com o decreto.

ALTERNATIVAS

Etiqueta holográfica antipirataria da Quiksilver, desenvolvida em parceria com a Kurz. / Reprodução

As empresas lidam como podem para proteger suas propriedades intelectuais. A marca Quiksilver, por exemplo, do Grupo Boardrider, adotou etiqueta holográfica antipirataria. Voltada a esportes de ação, desenvolveu em 2018 um programa de combate à pirataria para garantir o controle de autenticidade de seus produtos. Uma das iniciativas contemplou uma parceria com a Kurz, indústria de hot stamping, para a produção de etiquetas holográficas que são inseridas nos produtos da marca para certificar a originalidade e a qualidade de produção. As etiquetas contêm propriedade autodestrutível, condição que torna impossível a sua remoção e reutilização em outro produto. A verificação de procedência é realizada por meio de um aplicativo para smartphone ou tablet que faz a leitura da etiqueta e confirma sua autenticidade com rastreabilidade, ou seja, informa quando e onde foi realizada a autenticação.

A marca também conta com assessoria jurídica específica para tratar do assunto, que planeja e executa ações em lojas e comércio eletrônico, com a apreensão de itens falsos e processos de responsabilização civil e penal dos envolvidos. De acordo com a Quiksilver, milhares de peças já foram apreendidas e diversos estabelecimentos notificados ou até mesmo fechados mediante essas ações.

Brás, região que está entre os maiores polos de venda ilegal e de produtos falsificados no Brasil e na América Latina: entidade que representa os lojistas está criando um selo antipirataria. / Divulgação Fevabrás

No Brás, coração comercial de São Paulo e do país, a Federação dos Varejistas e Atacadistas do Brás (FEVABRÁS), informou que em conjunto com a instituição Fibra Ética, está lançando um selo antipirataria, com a expectativa de alcançar, inicialmente, mais de 15 mil lojistas da região. “Isso permitirá requalificar o varejo local, que atende comerciantes de todas as partes do Brasil, e abrirá espaço para que os empresários possam sentar-se à mesa com representantes de grandes marcas para discutir, de igual para igual, soluções para o problema. As empresas auditadas e que estejam em conformidade com os preceitos e operações legais poderão estampar o selo em seus materiais institucionais, como sites, folders, e-mails, vitrines de lojas, catálogos e embalagens”, afirmou Gustavo Dedivitis, presidente da entidade, que tem seus associados na região do bairro do Brás, região que está entre os maiores polos de venda ilegal e de produtos falsificados no Brasil e na América Latina.

Há um ano, a Iguatemi 365, e-commerce da Iguatemi Empresa de Shopping Centers, decidiu realizar parceria com a Etiqueta Única, um portal on-line de intermediação de artigos de luxo autênticos seminovos, que tem como objetivo combater a pirataria e construir um consumo mais sustentável por meio da moda circular. Com quase 400 lojas, a proposta foi oferecer aos clientes uma plataforma de vendas on-line conectada ao espaço físico para a entrega de uma experiência multicanal, aproveitando a estrutura das lojas dos shoppings, integrando os estoques e respeitando a precificação dos lojistas. Maneira de garantir legitimidade do produto.

Edmundo Lima, diretor-executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX) ressalva que “o combate a produtos ilegais (piratas, contrafeitos, contrabandeados, ou, de qualquer modo, em violação à propriedade intelectual) deve ser realizado pelos órgãos federais ou estaduais de polícia, fazendários ou de defesa do consumidor”. Edmundo também crê na conscientização da população. “É necessário que o consumidor seja consciente no momento da aquisição de produtos e que denuncie, caso identifique a prática de falsificação e pirataria. A falsificação infringe os direitos de propriedade intelectual e o não pagamento de direitos autorais, fraude no comércio, crime contra a relação de consumo, além de sonegação fiscal e precarização do trabalho das pessoas envolvidas na produção e comercialização dos produtos”, conclui.

A pirataria segue combativa, mas navega em um oceano onde os ventos sopram nas desigualdades sociais e no consumo compulsivo. Pergunto a mim mesmo se melhores condições sociais e menos taxação de impostos resolveriam parte da questão. Talvez. Campanhas de consumo consciente e mudanças de valores sociais, provavelmente. Mas as velas estão alçadas e em ritmo do consumo frenético, e corsários estão sempre de encontro aos consumidores.

PIRATARIA ALÉM DO VESTUÁRIO

Nem só de roupas, calçados, bolsas e acessórios a pirataria se alimenta: softwares para máquinas de bordados e de sistemas de corte também têm entrado na dança.

Para que tenham alta qualidade e diferencial competitivo no mercado, as confecções que utilizam bordadeiras industriais precisam de um software que acompanhe suas demandas. Mas sempre existem aqueles que acham que podem “dar um jeitinho” e compram softwares piratas, fomentando uma indústria criminosa que se aproveita de todo o tempo, conhecimento e dinheiro investidos por desenvolvedores sérios para lucrar em cima. Porém, se esquecem de que também estão cometendo crime e arriscando no mal funcionamento de um investimento tão alto como o de uma bordadeira industrial.

Peter Vorbau, da Barudan do Brasil, que representa também com exclusividade a marca Wilcom aqui no país, uma das maiores referências no assunto, alerta: “o setor não se atenta para o fato de que o software é responsável por, pelo menos, 50% da qualidade do bordado, e que um produto original, atualizado, com suporte e treinamento fará com que a empresa tenha sempre layouts modernos e técnicas avançadas.”

Para ajudar no combate a esse crime, a Wilcom lançou seu Programa Global Antipirataira, num trabalho conjunto com a BSA (Business Global Alliance), empresa de tecnologia contra a pirataria, com atuação em mais de 60 países, e escritórios regionais de advocacia especializados neste tipo de contravenção, para rastrear, multar e processar usuários no mundo inteiro que estejam utilizando a versão pirata dos softwares Wilcom, especialmente o EmbroideryStudio e4.2.

Como parte do programa, a companhia está oferecendo anistia aos usuários da versão pirata deste software em específico que queiram regularizar sua situação adquirindo o original. Aqui no Brasil, esta regularização é feita somente pela Barudan, e quem quiser pode entrar em contato pelo e-mail sac@barudan.com.br.

E-book Audaces sobre pirataria digital. Para fazer o download gratuito, é só clicar aqui

A Audaces, empresa brasileira e uma das líderes nacionais e internacionais em softwares e sistemas de corte e criação, lançou recentemente um e-book educativo sobre pirataria digital, a qual atinge cerca de 10% de sua base de usuários somente aqui no país. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Softwares (Abes), as empresas nacionais que atuam no mercado de softwares e tecnologia sofreram um prejuízo de US$ 186 milhões em 2021.

O e-book da Audaces, disponível para download gratuito, traz informações específicas para que seus clientes não caiam nas armadilhas de softwares pirateados, e alerta para os riscos que estes podem trazer não só ao maquinário, mas aos produtos e à empresa. Destaca também as vantagens de um produto original licenciado, como garantias técnicas e atualizações permanentes.











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