Grupo francês solidificou sua história com pioneirismos e segue com sua cultura de visão holística de mercado
De cinco décadas para cá, muita coisa mudou na forma, e principalmente nas ferramentas, para produzir moda no mundo. Essas mudanças, em boa parte, têm a ver com dois irmãos gêmeos franceses, Jean e Bernard Etcheparre. Como? Eles foram os responsáveis pelo desenvolvimento do sistema de TI LECTeur-TRAceur 200, que calculava e plotava automaticamente todos os tamanhos de uma peça de roupa. Daí veio o nome da empresa fundada em novembro de 1973 pelos irmãos Etcheparre, em Bordeaux, na França: Lectra Systèmes, que em novembro de 2023 completa seus 50 anos.
UMA STARTUP, BIEN SÛR
A Lectra começou a ganhar tração quando, em 1976, um investidor de risco, André Harari, conheceu os irmãos Etcheparre e vislumbrou o desenvolvimento daquela empresa de tecnologia de moda, levantou fundos de capital e traçou o primeiro plano de negócios para os cinco anos subsequentes.
Teria a Lectra iniciado como o que conhecemos hoje como startup? Pode-se dizer que sim, e hoje a empresa atua apostando e investindo em empresas disruptivas como ela, por exemplo, Kubix, Retviews, Neteven, Geminy CAD Systems e TexileGenesis.
CADA DÉCADA COM SUA RELEVÂNCIA
Se os anos de 1970 foram de trazer novidades à tona, os de 1980 foram de colocá-las em prática, experimentar, inovar. Adriana Papavero, diretora-geral da Lectra América do Sul, destaca que, em 1985, a empresa já se consagrava como líder mundial em CAD, ou “ferramenta de digitalização de croquis para designers”, e rapidamente ganhou relevância no setor de moda ao entregar não somente soluções que correspondiam às necessidades da indústria, mas também em inovações que facilitariam de forma exponencial a rotina de seus clientes.
“No período de sua criação, a Lectra foi liderada por pesquisa e desenvolvimento. Internamente, chamamos aquele momento de ‘Lectra 1.0’”, conta Adriana.
Ainda nos anos de 1980, a empresa construiu sua planta fabril em Cestas (a 15 km de Bordeaux, na França), onde fica sua atual sede; lançou seu primeiro sistema automatizado de corte junto à sua primeira máquina de corte (E95/E97); e iniciou suas operações no Brasil, em agosto de 1987.
“Desde essa data, a Lectra vem construindo sua equipe e base de clientes de norte a sul do país, consolidando sua presença em território nacional”, destaca a diretora, que ainda explica que o Brasil possui uma dinâmica de uso das soluções muito diferente da que acontece na Europa, na China e nos Estados Unidos.
“A indústria de moda em nosso país é altamente verticalizada, cuja produção, em sua maioria, é voltada ao consumo interno. O mercado de calçados é particularmente interessante, e frequentemente nossos clientes dessa área nos ajudam a desenvolver as soluções de que eles precisam.”
Já a década de 1990 foi particularmente decisiva para o futuro da Lectra, pois a empresa, sob uma grave crise financeira nesse período, foi recapitalizada e assumida pelos irmãos André e Daniel Harari para ganhar fôlego. Foi o início da segunda geração no comando da Lectra.
Mais um ponto decisivo foi a transformação do modelo de negócios da empresa, trazida por Daniel, a quem também é creditada a cultura de estar sempre muitos passos à frente.
“Graças a ele, Daniel Harari, todos os anos são reinvestidos entre 9% e 12% do faturamento da empresa em P&D. Não existe outra forma de a Lectra se manter na posição de líder no mercado e oferecer tecnologias de vanguarda. Existem situações nas quais a Lectra deixa de investir em uma solução que ainda é utilizada no mercado e que vende para poder focar na solução que será a evolução daquilo. Esse é o verdadeiro comportamento de um líder no mercado de tecnologia”, frisa Papavero.
ANOS 2000: UM PÉ NA FRANÇA E VÁRIOS NO MUNDO INTEIRO
Virada de milênio e a visão futurista que todos tínhamos já eram uma realidade na Lectra. Em 2000, a empresa conquistou o posto de líder no mercado mundial em oferta de CAD e CAM para a indústria da moda, marcando também uma nova fase nos negócios e abandonando o Systèmes. Daí em diante, era apenas Lectra. Vale destacar que a moda é o core business da empresa, mas sua atuação nos segmentos automotivo e mobiliário tem grande relevância.
Em 2003, inaugurou três centros de tecnologia avançada, os IATCs: um em sua sede em Bordeaux-Cestas, outro em Atlanta (Estados Unidos) e o terceiro em Xangai (China).
Mas o ano de 2005, segundo a Lectra, marcou um dos seus principais turning points: a decisão de manter tanto sua base produtiva quanto de P&D na França, em um momento em que milhares de empresas estavam terceirizando ou inaugurando plantas fabris na Ásia.
“Naquele período, discutia-se muito acerca do custo e da capacidade produtiva da China. Obviamente, era muito apelativo produzir os mesmos produtos com um custo mais baixo, podendo assim aumentar as margens”, comenta Adriana. “Porém, a Lectra pesquisou e estudou muito sobre o tema e não ficou confortável com a perda de controle sobre a qualidade dos seus produtos. Esse risco foi considerado demasiado alto versus o retorno. Além disso, a força de trabalho da fábrica da Lectra em Bordeaux é composta de engenheiros que, em sua maioria, fizeram carreira na empresa, e a ida para a China significaria que a Lectra abandonaria todos esses talentos. No momento da tomada de decisão, esses dois fatores principais pesaram e foi decidido que os benefícios financeiros não compensavam os outros dois. Anos mais tarde, provou-se uma decisão acertada quando os nossos concorrentes começaram a sentir os problemas advindos da perda de qualidade dos seus produtos produzidos de forma terceirizada na gigante asiática.”
MÁQUINAS CONECTADAS ANTES DE SE FALAR EM MANUFATURA AVANÇADA
Se ainda hoje, em 2023, muitos não sabem o que é internet das coisas (IoT), imagina em 2008, quando nem se falava em manufatura avançada e indústria 4.0, conceitos que surgiram poucos anos mais tarde? Pois foi naquele ano que a Lectra lançou a primeira máquina de corte do mundo com IoT embarcada, a Versalis.
“Ao incluir IoT nas nossas máquinas, além de nos tornarmos pioneiros na tecnologia de indústria 4.0 para confecção, conseguimos elevar vários serviços, como o suporte remoto, que permite uma rápida resolução de paradas não programadas da máquina e pequenos problemas que ocorram. Graças a essa conectividade, conseguimos uma resolução acima de 80% a distância, sem a necessidade de envio de um especialista, o que resulta em economia aos nossos clientes e muito menos tempo de indisponibilidade de máquina. Conseguimos também ser muito mais assertivos nos nossos atendimentos presenciais porque o especialista já vai com informação das peças que precisam de substituição. Finalmente, também conseguimos gerar diversos dados de produção para que a gerência avalie a produtividade das suas operações e tome decisões estratégicas”, explica Papavero. “Acredito que a Lectra desafia o status quo, e esse papel é essencial para liderar a indústria pela excelência.”
TECNOLOGIA A SERVIÇO DA SUSTENTABILIDADE
A cada triênio, a Lectra revisa seus direcionamentos e lança seus famosos roadmaps estratégicos, com destaque para o de 2017-2019, focado na indústria 4.0, e no último, para 2023-2025, que vai muito além da tecnologia de ponta, como explica a diretora-geral da América do Sul.
“O novo roadmap estratégico abrange vários pilares e um deles é o ESG ou CSR (corporate social responsability). Esse pilar tem foco interno: na Lectra como empresa, na produção e criação dos nossos produtos para os nossos funcionários e escritórios e, externamente, aos nossos clientes. Outros são conseguir entregar soluções que sejam mais sustentáveis no que se refere a consumo de energia, ou otimização de consumo de matéria-prima, por exemplo, bem como soluções que ajudem nossos clientes na sua jornada de rastreabilidade com maior transparência. Esse é um pilar muito importante para a Lectra e que vamos priorizar.”