Conheça o trabalho de Hanna Inaiáh, a designer de estampas e superfícies que vem se destacando nos mercados nacional e internacional com suas criações em IA

Ela é carioca, ela é curiosa, ela é vibrante e seu trabalho reflete tudo isso: ela é Hanna Inaiáh, uma designer que, de forma única, tem imprimido personalidade em suas criações com o uso de inteligência artificial, e que consegue, como ninguém, trazer um resultado com toque artesanal quase palpável, e altamente desejável, para o universo da moda. Conheça um pouco de sua história, trajetória e processos nesta entrevista exclusiva à Costura Perfeita.

Costura Perfeita: Hanna, que formação acadêmica e conhecimentos empíricos você foi adquirindo no universo da moda e têxtil?

Hanna Inaiáh: Sou formada em Moda pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) e pós-graduada em Design de Estampas pelo Senai Cetiqt, mas sempre fui autodidata. Desde cedo, busquei estudar arte por conta própria em livros, exposições, documentários e pesquisas intermináveis. Essa curiosidade constante sempre me guiou. Foi assim que aprendi a criar com inteligência artificial também: experimentando, errando, ajustando e, acima de tudo, conectando essa nova linguagem ao meu repertório visual e emocional já existente. Acredito que meu percurso é muito marcado pela mistura entre intuição, técnica e sensibilidade, e é justamente isso que me permitiu trilhar um caminho autoral dentro da arte e da tecnologia.

A designer carioca Hanna Inaiáh. / Foto: Divulgação

CP: Fale da sua história com a moda – a atração pelo design de estampas, de superfície e pelo bordado – e como foi, para você, criar essa identidade tão marcante de unir o artesanal com a tecnologia.

HI: Meu primeiro contato com a moda foi ainda criança, vendo minha mãe trabalhar. Ela era vendedora na Company nos anos 1980, uma marca muito famosa na época, e eu cresci vestindo aquelas roupas estilosas. Sempre gostei de montar meus próprios looks e já tinha um estilo peculiar desde pequena. Minha mãe confeccionava minhas fantasias de festa junina, carnaval e eventos da escola, e eu adorava participar desse processo com ela. Também usava as roupas dela: blazers com ombreiras, jaquetas de franja, botas de couro e, desde cedo, customizava peças para deixá-las diferentes, com a minha personalidade. Nunca me encantei muito pelo que via no shopping, queria criar minhas próprias roupas.

Venho de uma família de mulheres extremamente habilidosas e criativas. Cresci vendo minha bisavó costurar, minha tia tricotar, minha avó pintar e fazer tapeçaria, transformando o cotidiano com as mãos. A arte, para mim, sempre esteve presente nos gestos, nos tecidos e nas cores da casa. Nunca estudei arte formalmente, mas minha formação mais profunda veio dessas relações afetivas e dessas mulheres que me ensinaram, sem palavras, que criar é também cuidar, resistir e contar histórias.

Minha história com a estamparia começou na faculdade, quando tive uma aula sobre o tema. Como já gostava muito de design gráfico e ilustração, me encantei de imediato e mergulhei nesse universo, no qual pude unir técnica, narrativa e expressão visual.

CP: Antes de começar a utilizar a IA para suas criações, quais ferramentas ou programas havia adotado?

HI: Minha primeira ferramenta digital foi o CorelDRAW, no qual comecei a trabalhar com desenhos vetoriais. Depois explorei técnicas manuais, como aquarela e lápis de cor, mas confesso que nunca me identifiquei tanto, não gostava muito da bagunça nem do gasto de materiais. Quando descobri que existia uma ferramenta digital capaz de simular o desenho no papel, com efeitos muito próximos das técnicas que eu já usava, me apressei para aprender. Desde então, passei a trabalhar com ilustração no Procreate, Photoshop, Illustrator e, é claro, o próprio CorelDRAW. Nunca cheguei a trabalhar com 3D, meu foco sempre esteve mais na ilustração.

CP: E em que momento a IA começou a fazer parte de suas ferramentas de criação? Como foi esse início? Bateu alguma dúvida ou insegurança sobre inserir a IA como parte desse processo? Quais IAs você utiliza para esses desenvolvimentos?

HI: Comecei a usar a inteligência artificial em 2023, num momento em que já tinha um repertório sólido com ferramentas digitais e técnicas artesanais. Meu primeiro contato foi movido pela curiosidade, muitos colegas queriam saber minha opinião sobre o uso da IA no nosso mercado e, como eu não sabia nada sobre o assunto, fui aprender para poder responder. Acabei me encantando e virei usuária (risos).

No início, claro, surgiram dúvidas: será que isso tiraria a essência artesanal das minhas criações? Será que as pessoas enxergariam valor? Mas logo percebi que a IA podia ser uma aliada criativa, uma espécie de extensão da minha imaginação, capaz de abrir caminhos visuais que eu talvez não chegasse sozinha.

Hoje uso a IA como ponto de partida e de experimentação, nunca como um fim em si mesma. Trabalho principalmente com o MidJourney para geração de imagens e conceitos visuais; Krea AI para texturas e estampas; Runway para animações; e também com o ChatGPT para pesquisa, roteiros e construção de prompts mais elaborados. O que mais me fascina é que a IA não substituiu meu olhar ou minha mão: ela ampliou meu campo de possibilidades e se tornou mais uma voz nesse diálogo entre o artesanal e o digital que define a minha estética.

CP: Pode-se dizer que a introdução da IA como ferramenta de trabalho foi um divisor de águas para o seu processo criativo ou, melhor, para ampliar as possibilidades de criações e mercados? Como essa ferramenta tecnológica vem te auxiliando, ampliando percepções? Também te fez reduzir significativamente o tempo de produção ou acabou aumentando esse tempo, produzindo mais trabalhos, devido às facilidades da IA?

HI: A introdução da IA foi, sim, um divisor de águas não no sentido de mudar quem eu sou como artista, mas de expandir muito as minhas possibilidades criativas e de atuação no mercado. Ela abriu portas para imaginar e testar ideias que antes demandariam semanas ou até seriam inviáveis de produzir. Passei a explorar estéticas, narrativas visuais e combinações de técnicas de forma muito mais ampla.

Curiosamente, a IA não reduziu exatamente o meu tempo de produção. Pelo contrário: por facilitar tanto a experimentação, acabo criando muito mais do que antes. É como se ela me desse várias estradas para seguir, e eu quisesse explorar todas. Isso, claro, aumenta a produção, mas também eleva a qualidade e a profundidade dos projetos, porque posso iterar, refinar e combinar referências de maneiras que seriam impossíveis só no analógico ou mesmo nas ferramentas digitais tradicionais.

Além disso, a IA me ajudou a enxergar novas formas de unir o artesanal e o digital em um diálogo que é a essência do meu trabalho. Ela não substitui a pesquisa manual, o toque do tecido ou a construção cuidadosa, mas funciona como uma lente que amplia o meu campo de visão e me permite chegar a lugares inéditos.

CP: Você acha que a IA, no entanto, pode reduzir o papel do designer de estampas em termos de contratações (menos empregos), originalidade (processo autoral), haver mais casos de plágios?

HI: Acredito que, como toda tecnologia disruptiva, a IA traz impactos complexos para o mercado. Existe, sim, o risco de reduzir contratações para funções mais operacionais, sobretudo em empresas que buscam rapidez e custo baixo acima de qualidade e originalidade. Mas também vejo que, para o designer que constrói uma identidade autoral sólida, a IA pode se tornar um diferencial, não uma ameaça.

Sobre a originalidade, o desafio é real. A IA é treinada com grandes volumes de imagens, e isso pode gerar aproximações visuais com trabalhos existentes, intencionais ou não. Por isso, acredito que o papel do designer hoje é ainda mais importante: usar a IA de forma consciente, como parte de um processo criativo próprio, e não como atalho para copiar ou replicar estéticas alheias.

Quanto ao plágio, ele é algo que acontece desde que o mundo é mundo. Se estudarmos a história da arte e do ornamento, percebemos que desde que a arte existe ela é copiada ou serve de base para novas linguagens, às vezes usada como referência para criar algo ainda melhor, outras vezes descaracterizada quando mal copiada. Isso acontece muito na moda, em especial quando a intenção da cópia é apenas gerar lucro, perdendo completamente seu significado original.

Infelizmente, a facilidade da tecnologia pode ampliar casos de uso indevido de obras, por isso é essencial avançarmos nas discussões sobre ética, direitos autorais e regulamentações específicas para o uso da IA. No fim, continuo acreditando que a sensibilidade, a bagagem cultural e a capacidade de contar histórias visuais de forma única ainda são insubstituíveis.

CP: No seu trabalho, o bordado tem um papel de destaque, e é muito interessante como ele se faz quase palpável num trabalho digital no outro extremo tecnológico. Pode nos contar um pouco sobre essa marca registrada e como o mercado olha para esse resultado estético?

HI: O bordado é, para mim, mais do que uma técnica: é uma linguagem. Sempre me fascinou a forma como cada ponto carrega tempo, cuidado e intenção. Quando comecei a trabalhar digitalmente, percebi que poderia traduzir essa textura e essa profundidade para o universo virtual, não para imitar o bordado físico, mas para criar algo que preservasse sua força visual e simbólica.

O mercado recebe esse resultado com muito interesse. Profissionais de moda, estamparia e até da decoração enxergam nele uma estética única, que carrega o afeto e a textura do artesanal, mas com a versatilidade e a velocidade do digital. É um trabalho que se destaca justamente por viver nesse encontro entre passado e futuro.

CP: Como você formou suas bibliotecas e pincéis digitais?

HI: Minhas bibliotecas e pincéis nasceram de muita pesquisa e experimentação. Estudando os pontos, estudando luz, relevo, tramas e fios e transformando tudo isso em pincéis digitais capazes de reproduzir nuances do bordado de forma realista. Também desenvolvi variações que não existem no mundo físico, explorando cores, combinações e densidades impossíveis manualmente. Essa mistura de técnica tradicional com liberdade digital acabou virando minha marca registrada.

CP: Fale sobre a projeção – nacional e internacional – do seu trabalho com o uso da IA.

HI: O uso da inteligência artificial ampliou muito o alcance do meu trabalho, tanto no Brasil quanto fora dele. No cenário nacional, tem me aproximado de marcas, instituições e eventos interessados em explorar novas linguagens visuais, unindo tradição e tecnologia. Tenho participado de palestras, festivais e colaborações que reforçam essa posição como uma das vozes na discussão sobre IA aplicada à moda e ao design têxtil.

No cenário internacional, eu já tinha um público que começou a se formar e crescer quando lancei meus brushes. Acredito que, quando meu trabalho com IA começou a ganhar visibilidade, isso tenha potencializado esse alcance. Minhas criações passaram a circular de forma muito mais rápida e orgânica, chegando a colecionadores, galerias, marcas e projetos na Europa, América do Norte e Ásia, além de aparecer em plataformas digitais e marketplaces globais. Esse alcance não veio apenas pela estética, mas pelo diálogo cultural que minhas peças propõem, uma fusão do artesanal com o experimentalismo digital, que desperta curiosidade e conexão em diferentes partes do mundo.

CP: Para quais marcas já desenvolveu trabalhos, nacionais e internacionais?

HI: Ao longo da minha trajetória, tive a oportunidade de colaborar com marcas que admiro muito. No cenário nacional, já desenvolvi trabalhos para marcas como Farm Rio, Rouparia Carioca, Animale e Reserva. Internacionalmente, minhas criações já chegaram a projetos para clientes na Europa, na América do Norte e na Ásia, marcas como Isla and White, Odile Collective, By Jonny, incluindo coleções e estampas licenciadas para empresas de moda, decoração e impressão têxtil. Essas parcerias sempre foram uma troca rica: de um lado, levo meu olhar e minha estética que une o artesanal à tecnologia; de outro, recebo o desafio de traduzir a identidade dessas marcas em superfícies e narrativas visuais únicas.

CP: Vi que você tem dado cursos, tanto no Senai Cetiqt quanto em plataformas on-line. Você tem percebido um maior interesse por designers independentes ou marcas encaminhando seus profissionais? E como está o nível de conhecimento no uso das ferramentas de IA dos interessados nos cursos?

HI: Tenho percebido um interesse crescente tanto de designers independentes quanto de marcas enviando seus profissionais para os cursos. Os independentes, em geral, chegam movidos pelo desejo de ampliar repertório e encontrar novas formas de expressar sua identidade criativa. Já as marcas costumam buscar a atualização técnica das equipes, para integrar a IA aos fluxos de criação e acelerar processos sem perder qualidade.

Quanto ao nível de conhecimento, é bastante variado. Muitos chegam sem nenhuma experiência com ferramentas de IA, e outros já experimentaram de forma autodidata, mas sem uma metodologia clara. Por isso, meu curso é estruturado para atender desde o iniciante que precisa entender os conceitos e fundamentos até o profissional que já cria com IA, mas quer dar um salto na qualidade, aprender técnicas avançadas e transformar a tecnologia em um diferencial real de mercado. O mais bonito é ver como, independentemente do ponto de partida, todos saem com a sensação de que a IA pode ser uma aliada criativa e não um obstáculo ou ameaça.

CP: Por fim: na sua visão, como a IA tem revolucionado essa área em que você atua? 

HI: A IA tem revolucionado minha área porque rompeu as barreiras tradicionais entre imaginação e execução. Antes, muitas ideias ficavam presas no papel ou na cabeça por limitações de tempo, orçamento ou viabilidade técnica. Hoje, consigo testar conceitos, explorar estéticas e criar narrativas visuais em uma velocidade e escala que eram impensáveis.

Mas a verdadeira revolução não está só na rapidez ou na multiplicação de possibilidades: está na forma como a IA mudou o papel do criador. Ela nos convida a pensar mais como diretores criativos do que apenas como executores, conduzindo a tecnologia para materializar visões únicas. Para mim, o impacto mais profundo é que ela democratiza ferramentas de alto nível, permitindo que mais pessoas experimentem, inovem e encontrem sua voz, e isso transforma todo o ecossistema criativo.

Ilustrações de Hanna Inaiáh, criadas com ferramentas de inteligência artificial. Para a designer, repertório, sensibilidade e técnica são a base para que seu trabalho seja autoral. / Divulgação