Exposição no Itaú Cultural aborda as formas de pensar e fazer a moda brasileira a partir da pluralidade, reverenciando as mãos que tecem e costuram tecidos, roupas, histórias e cotidianos, apresentando ateliês não apenas como lugar de criação, mas como parte da própria criação
A moda chega ao Itaú Cultural (IC) em uma mostra coletiva que reúne o trabalho de mais de 70 artistas, os quais compõem uma poética do tecer inventiva, questionadora e bela. Artistas do vestir: uma costura dos afetos inaugura nossa proposta de realizar exposições temáticas que gerem fruição e reflexão sobre o que nos cerca e nos afeta como seres atentos ao mundo.
Das 19h30 de 27 de novembro de 2024 a 23 de fevereiro de 2025, a exposição Artistas do vestir: uma costura dos afetos permanece aberta ao público. E se estende pelos três andares do espaço expositivo do Itaú Cultural (IC) para abrigar mais de 80 peças – 10 delas comissionadas, sendo quatro criadas exclusivamente para a mostra e seis exibidas pela primeira vez para o público brasileiro. Em sinergia com a mostra, o núcleo de Criação e Plataformas programou mostra de filmes na Itaú Cultural Play e o Encontros IC Play, abordando essa temática.
Com concepção e realização da equipe do IC e curadoria de Carol Barreto e Hanayrá Negreiros, a mostra perpassa grupos diversos do pensar e fazer moda brasileira. Cada um dos pisos é batizado por um tema – Ancestralidades, Contemporaneidades e Fazeres Contínuos –, mas todos se conectam e dialogam sem hierarquias ou cronologia.
“Essa mostra abrange muito das temáticas que atravessam outros projetos e programações do Itaú Cultural, nas artes visuais e em outras linguagens: o processo de criação, a ancestralidade, o contemporâneo e a memória”, diz Sofia Fan, gerente de Artes Visuais e Acervos do Itaú Cultural. “É um espaço que propõe ver a moda como instrumento de arte, de política e forma de ser e estar no mundo”, conclui ela.
“A moda é o assunto principal da exposição, mas não é só. Pensamos no tema como linguagem expandida em diversos suportes artísticos de maneira plural e diversa”, diz Hanayrá. “Não temos pretensão de dar conta de todo o assunto, mas queremos colocar o debate de como a moda é, por um lado, esse ambiente que nos proporciona uma sensação de afetividade e, por outro, uma maneira crítica de pensar problemas estruturais que existem no Brasil”, completa.
Para Carol, a mostra procura visibilizar e construir essa ponte com o trabalho de pessoas que não são vistas como fazedoras de moda, mas que sustentam o saber fazer nesse campo. “O debate central da exposição é a intelectualidade manual, que alicerça o campo da moda e é espaço de exploração. São costureiras, bordadeiras, pessoas que interpretam nossos croquis para modelagem, dentre outras. Nós dependemos delas.”
ANCESTRALIDADES
Este eixo, ou núcleo de famílias artísticas, como as curadoras nomeiam, está no piso 1. Ele tem foco em obras e artistas que trabalham com temáticas e grupos ancestrais, em um amplo leque de nomes, como as Bordadeiras do Curtume do Vale do Jequitinhonha, Angela Brito, Ekedy Sinha, Fernanda Yamamoto e Lino Villaventura. É por aqui que passa boa parte dos afetos e das memórias propostas pelas curadoras.
Este andar apresenta, por exemplo, a indumentária original de Rainha de Nossa Senhora das Mercês, usada pela poeta, ensaísta, dramaturga e professora Leda Maria Martins no Reinado de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá, em Minas Gerais. Vale citar, aqui, que a última mostra da série Ocupação Itaú Cultural, neste ano, será dedicada a ela, onde haverá uma réplica tátil da vestimenta que ela usa nessas ocasiões.
Ainda neste espaço, o público encontra outros trajes de respeito ancestral e memorial. Um deles é Asò Orisà, obra comissionada em reedição de Ekedy Sinha, do Terreiro da Casa Branca, a primeira casa de candomblé do Brasil, situada em Salvador, na Bahia. Trata-se da roupa de Iyalorixá na nação Ketu (sacerdotisa de matriz africana de origem Iorubá) usada por uma mãe de santo, uma das mais importantes expressões de religiosidade no candomblé. Feita em tecido branco com bordados em richelieu, a peça reflete a estética ancestral do Terreiro da Casa Branca, do qual a artista é integrante.
Respeitosamente, ela divide espaço no andar com Oxalá usa ekodidé – Cortejo Afro, peça do também baiano Alberto Pitta inspirada em Oxalá (Oxalufã ou Oxalá). Ela foi confeccionada em 2022 como indumentária do Bloco de Carnaval, que nasceu na comunidade do Ilê Axé Oyá, idealizado pelo artista plástico há mais de 40 anos e onde se desenvolvem trabalhos ligados à estética e cultura africana.
A maior obra deste piso, também comissionada e em reedição, é de Goya Lopes e se estende do térreo para este andar. São três tecidos de 7m x 1,4m cada um – Dia e Noite; Tecendo o destino e Teares, todos de 2022. O propósito da designer e artista, que completa 50 anos de carreira em 2024, sempre foi divulgar a cultura afro-brasileira com arte na moda e em um movimento de brasilidade, introduzindo a temática da ancestralidade por uma ótica de conhecimento e autoconhecimento.
Ao lado de trabalhos de Lino Villaventura e de Fernanda Yamamoto – esta em parceria com a Comunidade Yuba –, encontra-se Connection, obra confeccionada pela gaúcha Anne Anicet, uma das artistas comissionadas na mostra, e seu Atelier Contextura especialmente para a exposição. O seu trabalho remete à necessidade de reconstrução de sua cidade e estado, que, neste ano, passaram pela maior catástrofe ambiental de suas histórias. A peça apresentada é inspirada nas árvores, que, quando são abraçadas, garantem conexão com a natureza.
De Karlla Girotto (SP), também inédita e comissionada, tem A terra é a pele da Terra. Aqui, a artista faz peças pintadas com a terra da cidade de Igatu na Chapada Diamantina, na Bahia, e inspiradas na prática da bisavó de recolher as meias rasgadas da família para rechear almofadas e edredons. Ainda navegando pela memória, a baiana Juliana Fonseca criou Corpo vazio para a mostra. Trata-se de uma peça, de acordo com ela, nascida de questionamentos dos corpos, como forma de comunicar e sentir o corpo preenchido, construída com cordas, fios de seda e barro da cidade de Maragogipinho, no Recôncavo Baiano.
Só para citar mais algumas obras presentes nesse piso, tem Cerrado Kalunga e Capa Boiadeiro protegido, da goiana Naya Violeta, criadora de moda afrocentrada. Sua marca, homônima, foi a primeira de uma goiana a estar no São Paulo Fashion Week (SPFW). Ela se inspira nas cores e movimentos das celebrações da Folia de Reis, uma tradição familiar que moldou o seu olhar para uma moda enraizada em afetos e ancestralidade. A obra se divide em duas partes: uma bandeira, que estabelece conexão entre dois territórios quilombolas, e a reconstrução da capa de boiadeiro em náilon corta-vento e algodão, com bordado de cerâmica e pedras miúdas.
Nascida na periferia de São Luis do Maranhão e trabalhando desde 2015 com a fotografia e suas ramificações, Silvana Mendes exibe Frestas III. Segundo ela, o conceito que dá nome à obra vem das imagens clássicas cheias de brechas históricas, que, se ressignificadas com a presença negra, criticam a hegemonia visual eurocêntrica e criam imaginários.
Neste andar, o público encontra uma projeção de Rosana Paulino revelando o seu trabalho têxtil e manual. Da paraense Irekran Kaiapó, mulher indígena idosa, integrante da comunidade da aldeia kubêkrãkej, da cultura mênbêgôkré, tem uma série de adereços confeccionados com o conhecimento cultural transmitido para ela por sua mãe, tias e avós: a saia Mêjn kradjê, a pulseira Mê ýnay kam ágâ, o bracelete Mepádjê, o adorno Áyn, o colar Meôkrédjê, a tornozeleira Prýn-ká e o adereço de antebraço Meyn-ý ou Meýnaý kam pýn ká.
A exposição também fomenta discussões em uma programação paralela e em outros conteúdos, que podem ser acessados no site itaucultural.org.br.