Por Mirtis Fernandes
Quem nunca usou o caixa como indicador de resultado não é um “confeccionista raiz”, pois nada mais é característico que ouvir o diretor da empresa gritar nos corredores: “Precisamos aumentar as vendas, pois não está sobrando dinheiro”, acompanhado de “Negocia melhor esse preço com a oficina, porque do jeito que está não vai sobrar dinheiro nunca!”, e lá vão os gerentes comerciais e produtivos tentando operar milagres. Mal sabem eles que na maioria dos casos o problema não está na falta de vendas e muito menos no valor da mão de obra, e o pior, mexer nesses pontos de forma desesperada vai, na realidade, piorar o resultado da empresa, ao invés de melhorá-lo. Parece não fazer sentido? Deixe que eu lhe explico:
A confecção tem algumas armadilhas que tomam ou escondem o lucro antes de ele chegar ao caixa, e isso, na maioria das vezes, passa a impressão errada de que a empresa não está vendendo o suficiente.
A lista de buracos é enorme, mas, se você focar nos três maiores, certamente já vai sentir um fôlego de caixa, restituir o sono e salvar a saúde mental de seus vendedores e inspetores de oficina externa:
1) PCP ou gestão de produção: Fazer o PCP é muito mais que lançar uma ordem de produção e separar aviamentos. Um bom PCP analisa prazos de produção, solicita a compra no tempo certo e procura ao máximo evitar retrabalhos. Como? Com antecipação e planejamento. O calendário do PCP é diferente do do restante da fábrica, e o tempo é o seu grande valor, que não pode ser desperdiçado e muito menos desconsiderado. A maioria das confecções desrespeita esse departamento e tem como consequências o descontrole das compras, os retrabalhos em oficinas e o clássico problema de atraso na produção. A falta de tempo no PCP consome o lucro, uma vez que quem paga por todas as confusões e atrasos é você.
2) Gestão de estoque: Quando você não encontra dinheiro no caixa, o primeiro lugar que deve procurar é no estoque. Matéria-prima e produto acabado são dinheiro, só não estão em papel moeda, mas são dinheiro. Ninguém deixa dinheiro parado em conta, esperando a desvalorização, mas deixa estoque parado ou acondicionado sem o menor cuidado até ficar obsoleto e perder valor de mercado. Ninguém deixa notas de cem reais espalhadas por qualquer lugar, mas deixa produto fora do estoque ou armazenado em locais de acesso livre e sem controle. Cada peça perdida, cada grama de tecido desperdiçado, cada botão comprado desnecessariamente é pago com o seu lucro, então, quando você vir esse tipo de coisa pela sua fábrica, lembre-se: isso tudo poderia estar no caixa.
3) Política comercial: Muitas vezes o lucro não aparece no caixa porque ele está servindo de capital de giro para sua empresa, já que o ciclo financeiro da confecção é enorme e, em geral, as matérias-primas e os serviços são pagos antes de receber o dinheiro do cliente. Esse desencaixe exige capital de giro e, se sua empresa não tem, acaba pagando juros ou tendo problemas de falta de caixa. A solução disso pode estar na formação de preços e na política comercial que deve ser feita considerando esse cenário e criando estratégias de encurtar os prazos de recebimento, ou embutindo no preço os juros pelo financiamento oferecido ao cliente.
Viu como vender mais nem sempre é a solução de que sua confecção precisa? Ter um olhar mais amplo sobre a sua empresa lhe mostrará que aumentar o lucro vai além do óbvio e que o seu resultado de caixa não vai melhorar se você só focar em aumentar o faturamento ou cortar despesa fixa sem cuidar do restante.
A falta de gestão da empresa cria ralos em vários setores e, nesse caso, não adianta abrir as torneiras, pois se os ralos estiverem abertos a água vai continuar escapando.
Mirtis Fernandes é CEO Tátil Inovação e Tecnologia e uma das criadoras do ERP Vesto. Tem 30 anos de confecção, 13 anos de tecnologia e 51 de vida.
mirtis@tatilinovacao.com.br